sábado, 1 de março de 2008

Literatura Divergente

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Elogio à Divergência
... para Sérgio Vaz e GOG: formação de guerrilha

Ao que parece,
é mesmo persistente a tentativa de dividir nossa produção literária em erudita e popular. Mais de uma alma “inteligente” já perdeu o seu lugar no paraíso hierárquico da tradição por tentar transgredir ou negar de alguma forma essa fronteira. Aos olhos de muita gente “culta”, o fato de insistentes pesquisadores e incentivadores da dita literatura do povão tentarem dar um aporte acadêmico aos seus objetos e reflexões, soa desinteressante, alienante, ou, simplesmente, ridículo - ao nível do risível. Aos olhos de muita gente “bem intencionada”, o fato de insistentes pesquisadores e incentivadores da cultura erudita manterem o aporte acadêmico de seus objetos e de suas reflexões teóricas soa como invasão, colonialismo, ou, simplesmente ameaça de diluição – ao nível do apagamento.

Quando as locomotivas dessas tradições absolutas colidem frontalmente, haja estragos!

O que não se tem dado muita atenção é à relação de prazer que deveria mediar o contato de qualquer leitor com seu texto nas mãos. O gostei ou o não gostei. A abordagem que os diversos tipos de leitores estabelecem com seus textos literários pode se dar por três vias: a leitura subjetivida - pessoal; a historiográfica - tradicionalizante; e a crítica - que se pretende científica. A relação íntima com o texto, crítica pessoal, é a mais negada nos ambientes acadêmicos e/ou oficiais. O gostar do leitor não tem voz nem vez. Parece não importar aos “doutores” da literatura a relação libidinosa entre o indivíduo mundano que quer ler, gulosamente, deflorar o texto vadio que quer ser lido diversas vezes sem parar.
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Como ativista das “belas letras” junto à juventude, poucas vezes sinto a presença do prazer da leitura de forma tão abrangente como nos momentos em que boto na roda de leitura os textos “horrendos” das diversas correntes paralelas: literatura negra, maldita, periférica, marginal, letra de música, rap...

A estes tenho chamado, genérica e coletivamente, de Literatura Divergente.

Resgatadas da violência de nossa rejeição apressada, e tratadas como objetos estéticos de fato, descobrimos que as dimensões das literaturas “fora do lugar” ultrapassam os limites do rótulo “marginal” - principalmente quando, assim, são livremente orientadas por seus produtores. Não por rejeição da “palavra poética”, mas por vontade própria de desbravar matagais, escavar resquícios, pichar monumentos e invisibilizar jardins. Liberdade de escolha.

Quando nos damos a chance de conhecê-las, e deixamos que fecundem nossa realidade imediata, em pouco tempo, estamos a discutir nosso corpo, nossa voz, nossa rua, nosso bairro, nossa textualidade, nossa significação. Numa breve entortada de olhos nessas páginas enviesadas, revemos culturas, reformamos mitos, reinventamos religiões, transformamos personalidades, substituímos heróis, alternamos pulsões, inventamos tradições, ampliamos leituras, refazemos traduções.

Deixamos de beijar sapos asquerosos e desejar perecas escorregadias, para que acorde, enfim, nosso “belo” adormecido, que ressurge, revigorado, para nos saciar da familiar ferocidade da literatura de nossa gente.

Em uma expressão: construímos nosso próprio senso de lateralidade.

Na contracorrente do entendimento oficial, nos personalizamos. Aí, sim, começamos a querer descascar as capas sobrepostas de nossos rótulos, para conquistar o estatuto de literatura tão e simplesmente. Universal porque nossa. Voz central das margens. Hegemonia das diferenças. Casa da Tensão. Morada do conflito. A renascença das potências polêmicas que fazem girar as rodas de nossa fortuna literária.

Na busca de auto-afirmação da expressão da sua gente, a balança de mão única da crítica instituída aponta a possibilidade de positividades somente em suas obras - água límpida da tradição, e na sua rede de significados - razões do ocidente. Ora afirmando estar nas suas idéias o valor original - as verdades primordiais - ora “se auto-re-afirmando de novo” na sua plasticidade de espelho espelho meu.

Tudo certo, se acreditarmos mesmo que dois e dois são cinco.

Mas eu plagio o velho pensador cansado quando lembro que a Grécia é que é o berço da poética... grega!!

Qualquer afirmação de conceitos de origem e/ou modelo de beleza está, inevitavelmente, determinado pelos valores do sujeito que o anuncia. Também nos faz perceber que, por trás da aparente obviedade de seus postulados, cada tradição estipula suas convenções e critérios de avaliação.

Por que não nós, porém em divergência?

Quando é arbitrado o conceito de beleza de uma cultura específica como parâmetro universal, para todos, apaga-se as possibilidades de textos e objetos possíveis fora do povo escolhido.

Chamo isso, simplesmente, de avaliação etnocêntrica. Ou fascismo cultural.
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Para um olhar mais aberto aos desrecalques de vozes soterradas de antes, a velha questão do ovo e da galinha deixa de não fazer sentido. Mais produtivo ao artista e ao leitor liberto é saber que o omelete que nos mantém de pé só se faz com ovos em estado palpável. E que o caldo concentrado é feito de galinha assimilada.

Pra mim, por exemplo, poeta negro, por ser do partido da galinha d’angola, o molho jamais será pardo.

Desdobrando nossa “galinhada” etno-filosófica, é preciso negar os juízos de valor embutidos nos conceitos erudito e popular, simples e complexo, alto e baixo, e tratarmos do pertinente diálogo, em tensão, que se dá entre os diversos pontos de vista; ou mesmo as polêmicas intestinas entre representações diversificadas de uma mesma tradição.

São falsas as doutrinas absolutas que constroem e perpetuam quaisquer juízos de valor sobre as produções dos homens, escolhidos e/ou banidos. Porém, falsas são também as forças (tão nefastas quanto!) que buscam diluir a individualidade das diferenças, desejos de alma e gingas de corpo de cada qual na sua. Enquanto discurso prepotente, são plantadas, na ordem dos valores humanos, as noções de alta e baixa cultura, rebaixando as produções simbólicas dos proscritos, esquecidos, marginais, periféricos, malditos, divergentes. Mas, também, me dói no âmago a diluição das fronteiras das especificidades.

De minha parte, em minha divergência poética, não mais regarei esses jardins de rosas funestas e flores do mal que me empurraram goela abaixo.

As águas estão bem divididas, estanques, represadas, mas há os que, como eu, procuram abrir as comportas que as separam, não para que conjuguem sínteses, senão para que se vizualize os conflitos.

Nasci para agitar pororocas: esfarelar a lama tórrida e ondular o lago tranquilo.


Nelson Maca – Blackitude.BA - Março.2008


Pequeno Receituário da Divergência Literária - Tomo I

Foto 1 - Lima Barreto:
Recordações do Escrivão Isaias Caminha
Foto 2 - Luis Gama: Primeiras Trovas Burlescas de Getulino
Foto 3 - João Antonio: Malagueta, Perus e Bacanaço
Foto 4 - Plínio Marcos: Quando as máquinas param
Foto5 - Solano Trindade:
Cantares ao meu povo

6 comentários:

Eduardo Luedy disse...

putz, é coisa paca pra ler (e interessante), mas eu tô ligado, viu? volta e meia eu ando por aqui.
abração,
duda

Eduardo Luedy disse...

maca, desabilite esse lance de só quem é blogger pode postar. se vc permitir que anônimos tb possam postar seus comentários, vc vai ter uma resposta maior.
duda

Nelson Maca disse...

Valeu Duda,
seu toque é mais que um toque!

Valeu, irmão.

Nelson Maca

jorge augusto da maia disse...

Acho esse conceito de Literatura divergente importante.
e o texto ficou bem bom.


tá massa.
abraços.

PENSAMENTOS VADIOS disse...

Maca,

porra mano, seu texto chama a elite no rôdo. Sumemo nêgo.

Tô junto.

abs.

Sérgio Vaz
poeta de rua

Giuliano Gimenez disse...

saudações,

bom o seu texto