quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

BAHIA: A MATANÇA CONTINUA...


VILMA REIS*
MANDA SEU RECADO AO GOVERNADOR DA BAHIA, JAQUES WAGNER, DO PT


Djair Santana de Jesus, negro, 16 anos, estudante do ensino fundamental, com mãe negra chefa de família, foi assassinado pela Polícia Militar da Bahia, na comunidade do Alto da Esperança, na região das Sete Portas, sob a acusação de ter trocado tiros com os policiais da ROTAMO. As mulheres que protestaram a sua morte foram covardemente espancadas e sua tia, dona Jaciara Santana, foi baleada nas nádegas. Toda a comunidade presenciou, com medo e tristeza, o sorriso sinistro e jocoso do policial atirador. Mais uma ocorrência rotineira em Salvador, segunda maior cidade negra do planeta, onde ser negro ainda é sinônimo de perigoso, indesejável, fora do lugar e, fundamentalmente, descartável.

Acompanho as ações das polícias na Bahia, desde a Operação Beirú, em 1996, quando o chamado "modelo de tolerância zero ao crime" foi a política de segurança pública dos senhores dos Aflitos, da Piedade e do CAB. Doze anos depois, com o comando da Polícia Militar nas mãos dos mesmos agentes do governo anterior, registramos a ocorrência de 1.307 assassinatos de cidadãos, sendo 96% das vítimas negros, 78% com o envolvimento direto da "polícia do Estado" no ano de 2007, a maioria em Salvador e na sua região metropolitana.

A pergunta que os cidadãos e as cidadãs negras da Bahia fazem a Jaques Wagner, governador de um Estado com 77% de habitantes negros é a seguinte: o que Vossa Excelência fará com a pilha de cadáveres negros? Com esse questionamento, a nossa intenção é a de não morrer em silêncio, de bruços e com as mãos na cabeça, exterminados pelos tiros de misericórdia do Estado.

Lutamos por mudanças na Bahia, onde, historicamente, uma minoria vem desenvolvendo uma cultura violenta de controle racial em todas as instituições, buscando dominar a tudo e a todos, sob o império do racismo institucional, que estrutura todas as relações nos Poderes públicos. Desse modo, os brancos poderosos definem o lugar do negro e o do branco e recorrem ao braço armado do Estado, para manter a maioria negra em "seu" lugar, o território da subserviência que nunca aceitamos.

Aprendemos com as nossas avós a não aceitar migalhas, a não entrar pelas portas de serviço e a não falar baixo diante dos racistas. Disso depende a nossa continuidade. Por isso, pensar e agir "fora da zona de controle da Casa Grande".é nossa missão, é o nosso destino! Essa memória ancestral e a nossa resistência nos protegem do massacre físico, cultural e mental.

Damos bom-dia aos Direitos Humanos, pois os queremos com eqüidade de raça, gênero e diversidade afetivo-sexual, com liberdade religiosa e justiça agrária, com a garantia dos direitos das populações quilombolas, das mulheres negras e da juventude negra do campo e da cidade. Mas para que isso se concretize, é preciso que o Governador Jaques Wagner, exerça um real controle sobre a zona de terror e a política de intolerância racial que as Secretarias de Segurança Pública e de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos continuam a implementar em nosso Estado.

A negritude de Djair está em cada um de nós, portanto a linha que separa cada pessoa negra da possibilidade de ser assassinada pelas polícias é muito tênue. Não queremos mais seminários para diagnosticar o óbvio, nem apenas cursos inócuos de formação em Direitos Humanos para policiais, Governador! Sua Casa Civil deve convocar as Secretarias responsáveis e instituir um diálogo verdadeiro com a sociedade civil negra, para buscar políticas públicas que se contraponham, radicalmente, à atual política de extermínio.
É da responsabilidade de Vossa Excelência vir a público e declarar de forma inequívoca que o seu governo não vai mais tolerar o assassinato da população negra; não vai mais aceitar o disparo de balas em ato de misericórdia; não vai mais admitir as lágrimas das mulheres e das famílias negras pelo aniquilamento de seus filhos, maridos e irmãos apenas por serem negros.

Só assim acreditaremos em Direitos Humanos. Só assim acreditaremos nesse governo como o que transformará a Bahia em uma "terra de todos nós" e não somente a de todos os brancos. Como Vossa Excelência já se pronunciou em falas públicas "o diabo mora nos detalhes". Queremos lembrar que o racismo também.

Salvador, 22 de janeiro de 2008

Vima Reis é Socióloga, Mestra em Ciências Sociais FFCH-UFBA, Coordenadora Executiva do Programa CEAFRO – Educação e Profissionalização para a Igualdade Racial e de Gênero do CEAO/UFBA e Presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado da Bahia.

Lázaro, MC do Opanijé, manda seu recado

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"Não me chame de irmão!"

Ontem um cara que eu admirava muito me disse esa frase com toda a veemência. Não imaginei q fosse ouvir isso de alguém novamente. A última vez que tinha ouvido essa frase foi há anos atrás, quando encontrei uns vizinhos que tinham vindo de um culto evangélico e sabiam q eu estava começando a frequentar o terreiro no qual hoje sou Ogã suspenso (engatinhando ainda...), o Ilê Axé Oxumarê.

Até aí nada de anormal, afinal de contas a maioria das igrejas evangélicas construiu sua história malhando as religiões alheias, principalmente, as de Matriz Africana. Só que o que espantou foi ouvir essa frase de gente de meu convívio, que eu achava que estava pronta pra me defender das "bruxas" que rolam nessa cidade bela e traiçoeira. Gente de movimento negro ou "movimentos negros" ou "que movimenta aos negros", etc e tal... No começo achei engraçado, porque apesar de estar afastado durante algum tempo de movimentações, palestras, debates e afins, eu admiro e apóio (da forma que me é possível) o trabalho q vem sendo feito pelas organizações negras (sérias) dessa cidade. Mas aí me bateu um pensamento:"Como é que eu comecei essa zorra toda mesmo? Ah, sim! foi fazendo rap e me reunindo com uns parceiros numa sede de entidade negra! Que é que tou fazendo aqui? Fora disso tudo, afastado desse convívio, dessas pessoas, dos holofotes que elas trazem consigo e tentando sobreviver numa 'empresa de brancos' como eles mesmos definem?".

Na mesma hora, como um vídeo clip, me passaram pela cabeça centenas de imagens: entre elas a de camarada todo enfeitado de contas, batas e trançados num show de rap na Sussuarana ou no Cabula, (não importa) sem nem se preocupar com quem tava tocando ou não e esperando uma brecha p subir no palco e gritar palavras de ordem, pois estava lá para ser visto e não para ver um bando de pivetes falando em cima de uma batida. Outra de um outro rapaz também cheio de indumentárias "afro" fazendo piadinhas ao passar por uma menina negra que estava de mãos dadas com um cara (mais ou menos) branco , mais uma visão rápida de uma ou outra militante... vamos dizer asim... fora dos padrões da Globo, na mesa de um bar falando sobre a "exploração sexual da mulher nas propagandas de cerveja" e mandando em seguida descer mais uma da mesma marca que trazia uma atriz (vixxx!!!Dentro dos padrões, não só da Globo!!!) Seminua no cartaz. Aliás, marca essa que um mesmo amigo (amigo mesmo!) também se encharcou no carnaval o ano passado gritou p outro: " - Vai beijar sua branca pra lá!", acrescentando mais uma cena estranha nesse meu vídeo clipe.

Por incrível que pareça, compreendo e até apóio (também da forma que me é possível) todas essas atitudes. Afinal de contas (no pescoço, é claro), vejo todos como irmãos se não política, religiosamente com certeza. Mas sei o porque do meu afastamento e sei o porque vivo acompanhado os fatos a uma "distância segura". A gente tenta se equilibrar de tantas formas pra sobreviver, que não dá pra acumular funções nesse circo que amamos e chamamos de cidade. Muitos partilham da minha opinião, outros preferem ser mais radicais e passam sem pensar duas vezes para o outro lado, ou os "outros lados" se preferirem, mas independente disso continuo amando e admirando a atitude daqueles e daquelas que fazem as coisas acontecerem e, mesmo estando nos bastidores, mesmo sem reivindicar as luzes da ribalta pra si, trabalham e trabalham sério para o bem de nosso povo negro já saturado de tantos estereótipos. Quero, mas quero muito mesmo, que nós negros sejamos destaque pelo nosso trabalho, pela nossa criatividade e inteligência que temos de sobra e conquistemos respeito com ou sem holofotes nos cegando, pois os assassinos agem no escuro. São covardes, mas infelizmente guardam uma grande vantagem sobre nós.
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"Eu sou aquele que esnoba sua fama, eu sou aquele que tenta ser diferente. Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente." Axé

Opanijé
O que se pode esperar quando se junta RAP, Consciência Negra e os Samplers mais inusitados? Um grupo q não poderia ter outro nome: Opanijé. O grupo de RAP Opanijé (Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente) surgiu no final de 2005, tendo como integrantes, Lázaro Erê (voz e letras), Rone Dum-Dum (voz e letras) Dj Chiba D (toca-discos) e Bell Prata (percussão. Com a proposta de fazer um estilo próprio de RAP, com letras que exaltam a cultura negra e a ancestralidade africana, a banda une o que há de mais moderno nas tendências musicais, como: samplers, efeitos e batidas eletrônicas ao que temos de mais tradicional na cultura afro-baiana, como o uso de berimbaus, instrumentos percussivos e cânticos de candomblé, transformando, fé, aprendizado, amizade e consciência em música.

"Não importa o que você pensa. Não importa qual é a sua crença.
Quem sabe a cura, nunca teme a doença." Axé!!

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1719916

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

ENTREVISTA / Nelson Maca

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- O Maca militante é um e o professor é outro ?
- Não! Sou um só em tudo! Levo a universidade para o hip hop e o hip hop para a universidade. Levo a questão da negritude para tudo o que faço. Não há tréguas: ao meu modo, sou militante sempre que estou consciente. Assisto novelas, filmes, clipes com olhos de militante... Não tem como separar as coisas. Educo minhas filhas de alma e corpo inteiro. Ser militante define minha amizade com o GOG, Sérgio Vaz, Alessandro Buzo.

Familia?
- Uma alegria. Minha reserva ecológica de esperança e crença (em tudo). Nunca foi contragosto nem sacrifício estar com minha esposa e minhas filhas. Levo minha família para todos os lugares e beijo minhas pretas em Praça Pública.

- Você é um curitibano ou um baiano?
- Eu sou um negro africano.


Não, não é vaidade nem egocentrismo além do limite.
Ainda não entrevistei a mim mesmo para o meu próprio Blog! rsrsrs

Apenas respondi umas perguntas ao parceiro Alessandro Buzo, para o Blog


www.buzoentrevista.blogger.com.br

Dá uma passada lá, acho que ficou bacana a entrevista!!

Aproveita e visita também os outros blogs do irmão Buzo, ele é fera no formato e nos assuntos!
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www.suburbanoconvicto.blogger.com.br

www.literaturaperiferica.blogger.com.br


No mais, tudo normais!!

Nelson Maca
2008 - Ano da Gramática da Ira

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

LANÇAMENTO: Zine Na LATA Nº 12

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Noite de tag’s: com o graffiteiro Mezik

A noite de tag’s que marca o lançamento do Zine Na LATA nº12
será no espaço Bomb Bahia dia 18/01/08 a partir das 18h. O evento é mais uma iniciativa do grafiteiro Neuro, editor e executor do Zine. Apoiado pela Loja Bomb Bahia e pelo coletivo Blackitude, sua mais nova edição vem a público juntamente com o seu vídeo documentário e a prospecção para 2008. Sem dúvida, será uma reunião dos mais fiéis graffiteiros e simpatizantes da cena artística local.

Convidados especiais e ativistas da cultura Hip-Hop estarão reunidos para celebrar a arte do graffiti soteropolitano. Estarão presentes, também, artistas já entrevistados pelo zine. DJ’s locais farão a trilha sonora da noite.

O evento contará com a presença do artista Mezik, graffiteiro e estudante de design, que dará seu depoimento sobre o zine e o graffiti local. Na ocasião será lançado o vídeo documentário “VISÕES”, produzido pelo Na Lata. O vídeo mostra depoimentos de artistas que já participaram de edições anteriores do zine além do depoimento ilustrado com o artista do mês, Mezik. Outro depoimento a ser exibido na noite é o do artista Izolag. O documentário exibe o ponto de vista do artista sobre graffiti em Salvador e no Brasil e suas experiências profissionais.

Todo este movimento está direcionado na vontade de manter a cultura mais forte e seus integrantes mais unidos
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FICHA

Evento: Lançamento zine Na Lata nº. 12_Noite de tag’s com Mezik
Atividades: Lançamento de vídeo documentário VISÕES, DJ’s, Assuntos sobre a cena atual do graffiti.
Quando: 18/01/08
Horário: das 18h às 21h
Investimento: R$ 2,00 (Com direito a um zine e um rango básico)

Local: Loja Bomb Bahia - Avenida Carlos Gomes, nº. 140 / 703 - Centro

Assessoria: Ana Cristina Pereira – Nelson Maca (3498.2993 / 9176-5755)

Mais Informações:
blackitude@gmail.com / www.zinenalata.blogspot.com / neuroarte@gmail.com
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Acesse
www.zinenalata.blogspot.com
Mais um endereço da Família
Só Irmandade! One Love!

Nelson Maca
Blackitude.BA / Liga Africana Atual

5º Hip Hop Na Onça

. HIP HOP NA ONÇA EDIÇÃO N°5: BLINDADO DE AXÉ

DIA: 20 DE JANEIRO (DOMINGO)

lOCAL: ESPAÇO Ó PAI Ó
ENTRADA DA SUSSUARANA VELHA
16 HORAS


SHOW COM OS GRUPOS


OS AGENTES - OPANIJÉ
NOVA ALIANÇA NEGRA
4 PRETOS - SOUL NEGRO
DJ EDY




ENTRADA: R$ 3,00
CASADINHA R$ 5,00



REALIZAÇÃO
DIRETAMENTE DA TERRA DO OXENTE

sábado, 5 de janeiro de 2008

Qual é a sua literatura? Qual é o seu hip hop?

.Salve todos,
Preparei uma entrevista rápida sobre hip hop e literatura.
Minha intenção é mostrar um panorama que destaque obras e idéias sobre literatura e hip hop.
Logicamente, o que mais me interessa é "ouvir" artistas e ativistas com os quais tenho tido contato e admiro o trabalho.
.Poeta Cintia (by Marilda Borges)

Não procuro verdades nem estabelecer panelas, mas coletar opiniões de pessoas que, segundo o que sei, tem atuado, de fato, nessas frentes de resistência do povo periférico.
Vou publicar as respostas aqui no Gramática da Ira por ordem de chegada das respostas.
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Poeta Giovane - com o Axé da Mãe Val

Aroveitarei para divulgar uma breve biografia dos participantes e contatos dos escritores, títulos, obras e projetos citados como modelares.
Com isso, pretendo fazer uma discussão sobre ações e obras de nossa própria responsabilidade, feitas por nós mesmos.
Uma discussão sem intermediários!
Claro que é, simplesmente, mais uma maneira de valorizar e divulgar nossa visão e formas de expressão da nossa relidadade.
Nossas coisas, né?
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Grafiteiro Peace em ação estética

Para tanto, enviei duas questões para todos responderem de maneira breve.
Todos ficaram a vontade caso não pudessem ou não quisessem responder algo.
Pedi, também, a gentileza de me mandarem um brevíssima biografia.
Já recebi três respostas.
Semana que vem começo a publicá-las.

- Quem são os entrevistados?
- Leia-nos diariamente e saberá? (rsrsrsrsrsrs)
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MC kiko (Afrogueto)

E você, leitor,
se arrisca a respondê-las também?
Então... seguem aí as perguntas:

1.1- Como você define a literatura de comunidade que você faz ou acompanha (marginal? Periférica? Maldita? Divergente? Independente? ...?). Defina sua escolha!

1.2- Cite e cinco título e respectivos autores de textos nacionais que você considera essenciais na linha dessa literatura. Se possível, deixe também o contato virtual deles (site, blog, my.space, blog, e-mail).
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Dj em detalhe


2.1- Como você define o hip hop que você acredita e pratica (movimento? cultura? cena? ...?). Defina sua escolha!

2.2- Cite coletivos ou projetos nacionais que você considera essencial na linha de sua definição.
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B.Girl Thina - inspiração

Obs. As fotos utilizadas acima (todas do arquivo da Blackitude, a excessão da assinada pela parceira paulistana Marilda Borges) são nossa homenagem a amigos artistas e ativistas de Salvador que têm participado de eventos da Blackitude: Vozes Negras da Bahia. Porém não se trata, necessariamente, dos entrevistados que serão publicados nas próximas postagens.


Com Respeito,
Nelson Maca - Blackitude.BA / Liga Africana Atual

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

2008 - O Ano da Gramática da Ira

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Luiza Gata e Lucinha Black Power

Outro Ano, minhas filhas!

Lembro-me de vocês assim, saindo do ventre de sua mãe, entrando em nossa vida. Só consigo vê-las simpáticas, bonitas, com semblantes e sorrisos que me fazem renascer pessoas de tempos atrás. Pessoas que carrego sempre comigo, e que sempre aparecem, assim, sem mais nem menos, em meus pensamentos, em meus sonhos.

Obrigado por estarem comigo.

Vocês entram em minha vida de maneira muito bem vinda. Não sei explicar o porquê, nem sei se há um, mas vozes ignotas em mim dizem que, agora, vocês são a razão incontestável de minha guerra tímida. Suas vozes somadas a outras que a mim expressam palavras positivas dão-me a segurança que devo mesmo expor, finalmente, meus escritos.

Apesar de não perceberem muito do que escrevo, apesar de suas tão novas idades, vocês já me chamam de poeta, e eu aceito, porque são vocês minhas obras únicas incondicionalmente poéticas.
Obrigado, novamente, por serem a continuidade de uma nossa espécie que não se dobra!
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Lucinha Black Power e Nelson Maca - Só Amor

Podem ter certeza que o barato é sincero. E que não se resume a arte. A arte pela arte não é mais em mim possível! Meu verbo é encarnado. Meu texto é nosso movimento. Movimento pela vida.
Digo pela vida africanizada, para ficar bem dito!

Valeu mesmo: tê-las me fortalece.
Procurarei não decepcioná-las.

Caras filhas, minhas rimas estão se tornando públicas. Acho que chegou a hora.
Minha Gramática da Ira foi diagramada e ganhou um estudo de capa de um guerreiro-irmão.
Está sendo ilustrado por mãos de um artista-amigo que admiro demais.
Meus mestres-ao-lado preparam orelha e prefácio.
Agora não tem mais jeito, filhas!!

Tem mais: pode ser lançada por uma editora nacional. Espero chegar a um bom acordo ético-estético – sem precisar destroçar a unidade familiar de meu livro, para que ele possa nascer querido.
E crescer livre e espontâneo como vocês, minhas filhas!

No fundo, minha Gramática da Ira é triste.

Tenho que dizer coisas que machucam - inclusive a mim mesmo.
É muito cedo para vocês entenderem, apesar de já pagarem o preço pelo peso da desordem que o país reservou para nós! Por isso tenho que mostrar o Brasil pela ótica da perversidade do racismo, mas também pela violência da submissão e da cordialidade de muitos negros que são vitimados por ele.
Tenho que mostrar o Brasil pela ótica da revolta, mas também da falta de revolta.

É louco!

Abro meu livro com um texto intitulado Prefácio da Ira que, mesmo sendo eu o autor, deixa-me com vontade de chorar. Por mim, por vocês, por nossa irmandade, por nossa ancestralidade.
Deixa-me no veneno, com vontade de cobrar tudo com juros... É foda... É triste...
É revoltante... É ressentido... É raivoso.
Pura Ira.

Pergunto a mim mesmo (como alguns já me perguntaram; como vocês talvez me perguntem amanhã):
"por que escrevi o poema Prefácio da Ira?"
E me respondo:
"por que é preciso rememorar sempre para não esquecer nunca!
Para melhor entendê-los... para nos entender. Para nos rebelar, para nos livrar."
. Luiza Gata e Nelson Maca -Mais Amor!


O início do Prefácio da Ira:

À luz clara do sol do porto
Aparece uma coluna de esqueletos
Cheios de pústulas Com o ventre protuberante
As rótulas chagadas a pele rasgada Comidos de bichos
Muitos não se agüentam em pé Tropeçam Caem
E são levados aos ombros como fardos
E são despejados como coisas num mercado imundo
Negociados como peças neste país nojento


No meio tem coisas assim:

Nas faltas leves Seu avô prende o meu pai pelos pés e mãos
Um pequeno instrumento de ferro
Uma posição incômoda de conseqüência deformante
O seu avô mete o meu pai no cepo
Grande toro de madeira suspenso sobre a cabeça
Preso ao tornozelo por uma corrente que pesa uma vida


E termina assim:

Vocês - Sempre prontos a reacender nossa rebeldia Que não se dobrou ainda
Vocês - Agora expostos Pescoços a um palmo do fio da navalha da Gramática de nossa Ira


Filhas, nosso enfrentamento às novas realidades não tem sido fácil. Vamos nos segurando onde podemos. Quando percebemos, ansiamos por criar raízes. Mas que não sejam tortas! Que não cresçam mortas!!

Vocês sabem que nós ainda não somos daqui.
Ainda enfrentamos, com máscaras atualizadas, tudo que a Gramática versa.

Por isso quero muito-sempre estar com vocês, que são minha reserva de crença!

Quando dei por mim, minha casa tava cheia de vocês, gente minha.
Eu pensei:
"cara, estou no ventre de um clã".
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Somos nós mesmos nossa gentileza e nossa doçura.

Filhas,
ao nosso jeito, apesar do desentendimento de tantos;
mesmo que seja para desencanto de muitos,
que nosso Feliz Ano Novo seja para Nós Mesmos!


Nelson Maca
One People! One Love!!