sexta-feira, 28 de março de 2008

Afinal, qual é a do Hip Hop?

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Educação para Subversão


vereadores, prefeitos, deputados, governadores, ministros, presidente já deram as caras... ou as cartas.... já existem mcs, b.boys, djs e grafiteiros de carteira assinada, batendo ponto, saindo à luz do dia pro trabalho... concorrendo a prêmios de artista-operário padrão... já tem alunos de escolas de belas artes falando dos tais núcleos de graffiti... djs em banda de bossa nova... b.boys na dança clássica... departamentos e lojas inteiras de hip hop... malhação com rap... ginásticas hip hop... já tem grafiteiro divulgando telefone nos trabalhos.... já tem b.boy em propaganda de cursinho pré-vestibular... já tem mc vendendo coca-cola... os djs se alastram como praga... muita roupa.... muitas fantasias... e haja fotos, zines, fotologs, sites, blogs, listas.... e haja artigos, ensaios, monografias, dissertações e teses... e livros... diante de tanta “luminosidade” de fora, eu pergunto: afinal, qual é a do hip hop? como manter sua luz própria? qual é a nossa? a legalidade ou a marginália? a realidade ou a lealdade? a subversão ou a moralidade? o muro ou o museu? as páginas ou as paredes? a praça ou o teatro? a boca ou o disco? as ruas ou as universidades? a sombra ou a luminosidade? o centro ou a quebrada? fazer tantas questões não significa que eu tenha tantas respostas. aliás, não tenho nenhuma...

sei que existe um filme chamado “bomb the system”* que deixa qualquer espectador intrigado, e emocionado. retrata a parceria de dois grafiteiros: um mais novo e um bem mais velho; um branco e um preto; um fiel às ruas, à aventura; o outro com uma nova namorada, chamando-o para a “evolução” da arte. tudo situado no submundo urbano: ruas, festas, dinheiro, drogas, furtos de sprays, esquadrão anti-vândalos, crimes, perseguições, peripécias e muita estética nas margens. tudo narrado por um terceiro personagem. um atento e leal aprendiz que se envolve até os ossos nessa arte sujeita a chuvas, dias de sol e trovoadas; tempestades e calmarias. este filme trágico-filosófico problematiza a discussão acerca da razão de ser do graffiti e do grafiteiro com destreza, espontaneidade e beleza. não dá para assisti-lo e sair ileso.

quando terminam os 95 minutos de projeção, o espectador já não é o mesmo do começo. inevitavelmente, cresceu! e crescimento é uma palavra que, atrelada às palavras liberdade, beleza, verdade, rebelião e transgressão, sustentam a credibilidade do hip hop que comungo. no hip hop, ninguém deve sair como entrou. ou é isso, ou não é hip hop. porque o hip hop é revolução permanente. quando deixar de ser assim, será o início do fim. com o hip hop na moda, há muita sedução, alienação, engano, vaidade, traição, angústia, disputa. a verdade dos rebeldes tem que ser ecológica: divulgar, fortalecer e discutir criticamente a cultura hip hop como forma de evolução humana e impedir que o hip hop seja entregue aos saqueadores e/ou colonizadores da cultura de rua. mas não se deve esquecer do hip hop – muita política e pouco hip hop tem sido a tendência do movimento. ou, ao contrário, muitos artistas e poucos ativistas. como sempre: precisamos encontrar o equilíbrio. fazer mais do que preciosismo ego-centrado, ou ser mais que joguete nas mãos dos que não tem compromisso com a nossa tragédia urbana, o hip hop tem que proclamar a independência da arte e do artista: independência humana, política, étnica e estética. tem que promover o crescimento integral dos ativistas e simpatizantes. tem que contaminar os desatentos e enfrentar com consciência, convicção, altivez e firmeza os desafetos.

não há outro caminho, na minha concepção, senão o caminho da rebeldia contra todas as formas de prisão que sempre tentam apagar, calar ou cooptar os rebelados. o rap, o break, o graffiti, o dj que se quer sério não pode obedecer uma confraria de manjadas comadres; mas, também, que não seja um balaio de gatos, misturando ratos e cachorros numa harmonia insustentável. como ouvi na minha adolescência, e passei a dizer para mim mesmo: os radicais não tem escolha.

então, penso que não há concessões ou pretextos: hip hop é hip hop! hip hop é informação! hip hop é denúncia! hip hop é agressão! hip hop é transgressão! hip hop são vozes, linhas, movimentos e cores! hip hop são técnicas! hip hop é consciência! o hip hop que me interessa tem que ser mais que uma galeria de fotos e desenhos. mais que um sonzinho bom. mais que um corpo elástico ou mecânico. mais que riscos no vinil. mais que teses universitárias ou programas de televisão. tem que ser independente, para experimentar na forma e discutir a vida com profundidade e sem restrição alguma. tem que problematizar a cena, para que se diferencie o joio e o jogo. precisa debater as iniciativas governamentais, os contornos das nascentes profissões que o envolve e sua legalidade. saber dos falsos manos. precisa compreender a ação da academia enquanto faca de dois gumes. diferenciar o ativista em liberdade do carregador de bandeiras. diferenciar a expressão vital e visceral e o subproduto comercial baixo. precisa discutir os graffitis banidos da cidade pelos agentes governamentais que cobre as grafias de iniciativas não governamentais. da polícia que ainda vê nos artistas de rua vândalos em potencial. da inflação dos vinis nacionais e sobretaxação dos importados. do desprezo à independência dos 4 elementos nas políticas culturais. o hip hop precisa indagar como projetos oficiais pretendem atingir as periferias mais periféricas, respeitando suas especificidades – longe das câmeras de televisão e do olhar dos ilustres turistas.

a cultura hip hop em que acredito deve se perguntar a cada novo dia: afinal, qual é a do hip hop? a legalidade ou a marginália? a realidade ou a lealdade? a subversão ou a moralidade? o muro ou o museu? as páginas ou as paredes? a praça ou o teatro? a boca ou o disco? as ruas ou as universidades? a sombra ou a luminosidade? o centro ou a quebrada?

o hip hop, ao contrário de um problemático sincero como eu, deve sair de cima do muro, e arriscar algumas respostas...

com todo respeito, nelson maca (blackitude)

* Foi legendado com o equivocado título "Fúria de Pixadores" e, com sorte, pode ser encontrado numa dessas bancas da cidade por algo entre 15 e 20 reais.
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Um comentário:

julio disse...

Gostei muito do texto que fala sobre hip hop, concordo com boa parte mesmo achando que em algumas facetas foi unilateral, e priorizou as coisas ruins do movimento, em se tratando do graffiti por exemplo, não foi mostrado toda a militância contra o desequilíbrio social, mesmo que inconsciente, comunidades inteiras estão sendo pintadas. e não so o centro da cidade, foi dito de forma muito romântica como deveria se comporta o grafiteiro,fotoblogs, blogs e telefones na parede são conseqüências, e artistas de rua não são samurais. Por outro lado concordo plenamente que o hip hop não incomoda mas ninguém, assim como o graffiti não incomoda ninguém, esse é o problema, tenho certeza que inúmeros projetos são escritos e quando isso acontece o movimento é colocado como algo de resgate, e agente para educação nos padrões das secretarias, então acho que tudo é uma grande contradição e deveria ser plurilateral ao se tratar do mesmo, quem faz o movimento não pode se comporta como um antigo chefe de aldeia que por conhecer somente o limite das suas terras e as coisas que seus pais lhe disseram, não podem dizer nada alem, como um conselheiro pode não ter conhecimento pra passar, ai acontece de em uma festa de comunidade pobre, o sujeito subir no palco pra dizer que fulano matou fulano, e aumentar a bola de neve, dando motivos de se estar pensando no mal mais um momento.