sábado, 22 de março de 2008

Literatura, Música e Futebol: Ópio Para o Povo!


* especialmente dedicado a Silvio Roberto de Oliveira dos Santos,
meu irmão!


Nosso Baba



Não faço poesia
Jogo futebol de várzea
No papel


Noutro dia publique aqui uma espécie de adaptação de Fio Maravilha de Jorge Benjor, fazendo uma brincadeira-homenagem com o meu parceiro Sérgio Vaz. Desde então, tô pensando na relação Literatura x Música x Futebol, para mim, a fórmula perfeita de um encontro feliz. Pois é, foi inevitável revisitar alguns textos que já trabalhei, principalmente em 2007 no mini-curso Arte do Chute: o Futebol nos Campos do Imaginário. O curso integrou o seminário Literatura e Futebol: Linguagens em Campo, que foi organizado pelo meu amigo Silvio Roberto de Oliveira dos Santos. Resolvi atualizar o curso e oferecê-lo, em breve, aos meus alunos (pode acreditar: eu tenho alunos!). Enquanto esse dia não chega, viajei neste diálogo abaixo, que quero dedicar também ao meu irmão Sérgio Zidane Vaz, cracão das várzeas lítero-futebolísticas do único Brasilzão possível em meu coração.

Preliminar:

A Europa curvou-se ante o Brasil

7 a 2
3 a 1
A injustiça de Cette
4 a 0
2 a 1
2 a 0
3 a 1
e meia dúzia na cabeça dos portugueses


O jogo:

A época em que partida de futebol era "match", time era "team" e goleiro era "goal-keeper", os escritores brasileiros não se importaram muito com o então chamado esporte bretão...

Domingo

Hoje quem joga?... O Paulistano
Para o Jardim América das rosas e dos pontapés!
Friedenreich fez goal! Córner! Que juiz!
Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô...
E o meu xará maravilhoso!...

- Futilidade, civilização...

.... intelectuais, tempos depois, começaram a se (pré)ocupar com o tema, mas em princípio com suas filigranas, como aqueles doutos senhores da língua que, contra o anglicismo que designa o jogo que viria a ser nacional, propuseram o neologismo “ludopédio”. Bem fez o povo – que é quem cria a língua – em não seguir os gramáticos, preferindo “futebol” quando não “futibol”....

quero a vitória
do time de várzea
valente
covarde
a derrota
do campeão
5 x 0
em seu próprio chão
circo
dentro
do pão


....O brasileiro é tão bom de bola que o jogo vira bailado – tão ruim a realidade que um simples jogo vira a esperança nacional. Na partida entre o Homo Sapiens e o Homo Ludens, o Homo Sapiens perde de goleada. É pura dança: a trajetória do futebol em nosso país é espetáculo e “comercindústria”, glória e frustração nacionais, quando dentro dos estádios; tragédia e exploração nos bastidores quando o craque de ontem, manobrado pelos cartolas e pela imprensa, vira pobre esquecido de hoje.....

Fio Maravilha

E novamente ele chegou com inspiração
Com muito amor, com emoção, com explosão em gol
Sacudindo a torcida aos trinta e três minutos do segundo tempo um e um
Depois de faze uma jogada celestial em gol
Tabelou, driblou dois zaqueiros
Deu um toque driblou goleiro
Só não entrou com bola e tudo
Porque teve humildade em gol
Foi um gol de classe
Onde ele mostrou sua malícia e sua raça
Foi um gol de anjo
Um verdadeiro gol de placa
Que a galera agradecida assim encantava
Fio Maravilha nós gostamos de você
Fio Maravilha faz mais um pra gente ver


....Um assunto multifacetado, portanto, e que pode ser discutido – além do entusiasmo dos torcedores – pela psicologia, pela sociologia, pela política, através mesmo dos mecanismos ideológicos do estado, e ainda pela filosofia. E pode ser visto, descrito, narrado e examinado através da literatura.

Meio de campo

Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando tempo dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé nem nada
Se muito for sou um Tostão
Fazer um gol nessa partida
Não é fácil meu irmão


Literatura? Os escritores brasileiros têm sido acusados de não tratar bem o tema, ou de simplesmente ignorá-lo....

.....Poderíamos pensar que o futebol, no Brasil e em outros países é uma expressão em si mesma. Expressão artística também, sem ser arte no sentido tradicional. E se o futebol é uma expressão em si mesmo, toda outra expressão está condenada a se diluir como se fosse um discurso sobre o discurso, redundância e, como toda redundância, imagem enfraquecida....

Ademir da Guia

Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.

Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.

Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.

...............................................

Prorrogação:

Divina comédia humana

Estava mais angustiado
que o goleiro na hora do gol
quando você entrou em mim
como um sol num quintal


Assim foi...
Quando terminei este texto-bricolagem, estava ainda com uma sensação de estranheza (não sabia se sobrava ou faltava algo). Por via das dúvidas, para equilibrar a grandiosidade do poema de João Cabral de Melo Neto e a presença quase sublime do Divino Ademir da Guia, resolvi, simplesmente, seguir meu coração:

Hino o Corinthians

Salve o Corinthians O campeão dos campeões
Eternamente Dentro dos nossos corações
Salve o Corinthians De tradição e glórias mil
Tu és o orgulho Dos esportistas do Brasil.
Teu passado é uma bandeira Teu presente uma lição
Figuras entre os primeiros Do nosso esporte bretão
Corinthians grande Sempre Altaneiro
És do Brasil O clube mais brasileiro




Ficha Técnica
:

Texto de Introdução e desfecho
:
Nelson Maca
Texto base:
Flávio Moreira da Costa (Jogo preliminar: Ficção x Futebol)
Poemas e letras:
1. SérgioVaz, 2. Oswald de Andrade, 3. Mario de Andrade, 4. Paulo Leminski, 5. Jorge Ben, 6. Gilberto Gil, 7. João Cabral de Melo Neto, 8. Belchior, 9. Lauro D’Ávila
Fotos:
1. Torcida do Clube do Remo / 2. Paulistano (um dos primeiros grandes times do Brasil) / 3. Friedenreich (um dos primeiros craques do país / 4. Um cara liso de bola do time do Piraporinha - faz dupla de ataque com o Sérgio Vaz / 5. Criador e criatura: Jorge Ben e Fio Maravilha / 6. Afonsinho: craque e ativista que jogou bem e lutou pela dignidade da profissão de jogador de futebol (Pode crer: isso existe no Brasil!) / 7. Ademir da Guia: uma lenda (Erro histórico: jogar e se consagrar no Palmeiras!) / 8. Barbosa: aquele goleiro da final da copa de 50, no Brasil. Já ouviu falar? / 9. Escudo do timão (Réplica do Museu de Louvre: mais que uma Obra de Arte, um Patrimônio da Humanidade)

Nelson Maca

2 comentários:

Colecionador de pedras disse...

Naka,

você tem se mostrado um craque imprescindível para literatura-rua brasileira.
Bom saber que quando a gente vai para o ataque você comanda a defesa. Ou quando a gente está na defesa você é quem comanda o ataque.
Puxa, e pensar que até a pouco tempo a gente nem se quer tinha um time...
É nóis memo vagabundo. De letra ou de canela, é nóis q tá!

Tamo junto!

Abs.

Sérgio Vaz

Nelson Maca disse...

Obrigado, Capitão!
Nelson Maca