quarta-feira, 5 de março de 2008

POÉTICAS DIVERGENTES DA BAHIA: um Rap de Lázaro e Dum Dum


Hoje Eu Acordei Mulher!


Hoje eu acordei discriminado / Hoje eu acordei desacreditado
Hoje eu acordei desrespeitado / Hoje eu acordei Mulher


Ouvindo India.Arie, prestando atenção nos detalhes
Pedindo a Oxum que a minha intuição nunca falhe
Sofrendo na boca dos rappers e pagodeiros
Levando regulagem de marido cachaceiro
Filho da fruta descascada entregue na bandeja
A puta pelada num comercial de cerveja
Piranha num rio onde o homem é sempre o boi
Pilantra que esquece que filho se faz com dois
Metralhada, cachorra, piriguete descarada.
Sentada a mãe que fica em casa sem fazer nada
Assim é retratada e idealizada
Dupla ou tripla jornada não recompensada
Boa era Amélia que achava bonito ser humilhada
Gilcélia se ouvisse isso me dava porrada
Acha que é feita sempre pra ceder, se entregar
A roupa que o homem quer ver sempre incomoda pra usar
Não leva a sério o que eu falo, só porque eu não tenho falo
Mesmo assim não me calo, o pinto não canta de galo
Nem pense em me escravizar, você tá fora de moda
Não parto, porque a dor do parto é sempre foda

Hoje eu acordei iluminado / Hoje eu acordei do lado errado
Hoje eu acordei estereotipado / Hoje eu acordei Mulher


Roupa pra lavar, feijão pra cozinhar
Menino pra cuidar, mas sei que eu consigo
Não quero ser vulgar, nem escrava do lar
Só quero aguçar o meu sexto sentido
A bela fera-ferida que se faz presente
Sente que em seu corpo e mente há algo diferente
Percebe uma voz que vem do seu coração
Que diz que quem educa uma mulher educa uma nação
Quem dera saber que aconteceu com você
A sua yabá de frente nesse amanhecer
Queria que você soubesse, então como é que é
Ao menos um dia ter que acordar mulher
Recusar aparecer pelada pra vender produto
Saber que está propícia a ser vítima de estupro
Tudo isso e mais um pouco a sociedade ataca
Chama de piriguete, cachorra, galinha, vaca
Tem gente que não saca que isso me afeta
Tem macho que só quer a fêmea de perna aberta
Me submeter a submissão; isso eu não faço
Só pra lembrar: hoje não é 8 de março

Hoje eu acordei iluminado / Hoje eu acordei do lado errado
Hoje eu acordei estereotipado / Hoje eu acordei Mulher




Bonita como um cabelo crespo bem trançado
Arisca como qualquer bicho que é maltratado
Sempre comparada às coisas inúteis
Incentivada a fazer os papéis mais fúteis
Televisão nem se fala, já é piada
Sempre empregada ou escrava, a mesma palhaçada
O mundo muda, mas cabeça de homem é sempre de pedra
Quando junta numa rodinha então... só rola merda
Estufa o peito pra dizer que fez, que aconteceu.
No meio dos seus arrotar o que não comeu
Faz bem pro ego, um mentiroso é poucas vezes pego
Porque se sente um prego toda vez que eu me nego
E carrego o mundo na barriga e o pé inchado
Não durmo enquanto você vira pro outro lado
Não adianta olhar demais e não prestar atenção
Malhar os peitorais e não fortalecer o coração
Lutar pra ser guerreira e não santificada
A mãe de quem matou Zeferina não é culpada
Beleza e inteligência ainda não são suficientes
Firmeza! As Yabás vão estar sempre com a gente

Hoje eu acordei iluminado / Hoje eu acordei do lado errado
Hoje eu acordei estereotipado / Hoje eu acordei Mulher

Texto/Rap - Lázaro / Dum Dum
Para ouvir :
http://www.myspace.com/opanije

Foto 1- Grace Jones
Foto 2 - India.Arie
Foto 3 - Escrava Anastácia (representação)
Foto4 - Sem fonte

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