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1,2,3... DIAS DE PRETO*
Nunca me dei bem com esta coisa de horário, limites e prazos, mas com o tempo comecei a aprender que nem sempre estas palavras estão ligadas à idéia de estar preso ou ser obrigado a fazer algo.
Saí de casa para o trabalho atrasado, para manter o orgulho de revolucionário e bom latino americano, ouvindo som e pensando sobre o que iria escrever... acordo do meu transe e noto a chuva torrencial que cai insistentemente... corro para Estação da Lapa e pelo caminho vejo embaixo da marquise um fio de fumaça subindo, criando desenhos tortuosos no ar. Pensei que a galera já carburava aquela hora, mas um olhar mais atento mostra duas pessoas ao lado de um fogão improvisado, cozinhando algo, passo um pouco mais próximo quando, no pequeno espaço que aparecia descoberto, no meio de um pano no qual se enrolavam, é possível ver a pele... PRETA...
Entro no ônibus já completamente molhado e sigo sem conseguir arrumar em meu computador cerebral as mil imagens que correm de um lado pro outro desesperadas... acordo de novo e olho o senhor da ditadura, o relógio... porra, tenho 3 horas e meia e nem saí do lugar. Dentro do ônibus, como se houvesse ocorrido um desastre, as pessoas sacam seus celulares desesperadas, ligando para o dono da senzala, modernamente agraciado com a alcunha de patrão, com o intuito de avisar o que a cidade toda estava vendo. Tudo continua parado. Neste instante olho e vejo uma senhora “meia-idade” desesperada falando que o “patrão” disse que não queria saber de nada, afinal, não era ele que fazia chover e a empresa, dele, não pode parar. Desespero, olhar, pele...PRETA...
Dá uma estiada, resolvo não me estressar mais e ir andando até a casa de um amigo que mora próximo. No meio do caminho uma confusão em um ponto de ônibus.
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Cena:
Um homem com duas pedras gigantes na mão enfrenta outro homem que, no momento, desempenha o papel de ladrão no filme da vida. A platéia torce, grita, pula enquanto o herói, vendedor, no momento, de guarda-chuvas, joga a primeira pedra... esquiva, base fechada, o vilão tem as manhas, mas o herói é rápido e cai pra dentro, correndo, perseguição e fuga. Sigo meu caminho. Equanto a hora, a minha, não chega, subo as escadas e, tamanha surpresa, o vilão encontrava-se já tentando o sucesso, aplicando o mesmo golpe em outro ponto cheio de pessoas trabalhadoras angustiadas. Alguém coloca a mão dentro de uma pochete e ele corre. O herói, o vilão, as vítimas, pele... PRETA...
Após quilômetros de idéias, uma garrafa de café e mais uma das nossas conversas intermináveis (ainda bem!). Resolvo continuar minhas andanças, lembrando da urgência do texto, fazer o que, né!? Como sempre diz uma filósofa lá da repartição pública: ”Urgente é o que não foi feito antes”. Despeço-me do amigo/irmão, olho nos seus olhos e, como pra equilibrar nossa situação, sorrio interiormente por ele ter a pele... PRETA...
Chego no tripalium e pego os documentos, vazando rápido, pois já era meio-dia e tudo estava um caos. No caminho para outra empresa, passo a chuva na rodoviária enquanto vejo na fila de táxi um morador de rua, como se nunca tivesse na vida um momento tão especial, feliz se lavando com a água que a chuva nos fornecia enquanto eu entendia, em vida, o sentido da palavra relatividade. Felicidade pra uns, raiva para outros que angustiados por não conseguirem sorrir, mesmo tendo o bolso um pouco cheio de papéis pintados e prontos para pagar por um simples momento de prazer, continuam parceiros do vazio. Imagino que o motorista da mais eficaz máquina de matar contemporânea é um destes sem felicidade. Afinal ligou o carro e, diante de pares e pares de olhos esbugalhados, atropelou o Feliz passando com as duas rodas por cima das suas duas pernas. Saiu do carro, olhar indiferente, pediu um cafezinho enquanto diante da revolta da população com a cena acontecida com uma voz firme disse:
“É só um mendigo, um maluco, eu não vi, e quem mandou ele deitar ali na frente do carro? Quem estiver achando ruim que chame a policia.”
Anotei a placa, dois outros carregaram o rapaz, um outro correu pra cima do motorista, tentando convencê-lo com palavras e, como não teve êxito, foi até o modulo policial, localizado 50 metros do acontecido, comunicar às autoridades o fato. O Policial, chegando ao local, apertou a mão do motorista que, neste momento, além do cafezinho já estava também fumando um cigarrinho e, entre sorrisos mútuos, os dois apenas, perguntou o que aconteceu. Motorista, vítima, policial pele... PRETA...
Neste momento não era só a água da chuva que molhava meu rosto... Na volta pra casa uma sensação de mais um dia muito louco que, infelizmente, por experiência, sei que não será único. Ouço passos e vejo meu filho, dez anos, cabelos emaranhados que me fazem lembrar do amigo de mais cedo e do TEXTO, porra hoje nem dá, tou arrasado. Enquanto converso com minha companheira, amante e mulher, vejo o caderno de nosso filho aberto e o título no topo da pagina me chama atenção:
“POESIA SOBRE A ESCRAVATURA”
Kirtana Jaya
“Um escravo que trabalhava de 7 a 7 horas
Ele comia, bebia e dormia apenas uma vez por dia
Ele comia pão velho e nada mais
Um copo de suco mas não se satisfazia
Um dia chamaram ele para trabalhar em uma casa ganhando salário
Comendo, bebendo de graça mas como era escravo não podia
Ficava trabalhando sem 1 centavo para o dia a dia
Um dia foi libertado mas não tinha para onde ir, sem dinheiro, sem casa, sem amigos, sem nada
Um dia ele tentou arranjar um trabalho
Mas não conseguiu porque era ex-escravo”
Se fosse uma música seria a trilha perfeita para o dia de hoje, pois, entre as letras tortuosas dele, aparece aos meus olhos, mente e coração a idéia de quem já nesta idade pode perceber que, apesar de tudo ser relativo, muita coisa ainda precisa mudar e não é a cor da pele... PRETA
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*Pedi um texto para o Robson Véio... pensava numa letra da Lumpen... e o cara aparece com essa pedrada aí!
Não bastasse, olhem só a redação do filho dele: o Kirtana!
Olhe as figuras aí em cima!!
E essa moça é a Luciana, a mulher da casa!
Vocês já ouviram falar dela?
Viiiixee!
Quem vai conseguir segurar esse menino, a criatura desses criadores, só mesmo Krishna pra dizer.
Ou não...
....................
Viiiixee!
Quem vai conseguir segurar esse menino, a criatura desses criadores, só mesmo Krishna pra dizer.
Ou não...
....................
E o texto dos hóme!
- É mole?
Vocês estão entendendo minha admiração!!?
Vocês estão entendendo minha admiração!!?
Só cresço com os parceiros que divergem... inclusive de mim...
é lógico!!
Nelson Maca - Apenas Fã das Cara!
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Um comentário:
Salve!
Nada é por acaso mesmo.Obrigada Gramática da Ira,por me apresentar tal Gigante.
Ps; Várias questões...
estou processando a leitura ainda.
Preciso postar mais comentários(risos)
Valeu Véio!
Valeu Maca
Luciana Matias
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