terça-feira, 7 de abril de 2009

Tributo a Fela Kuti

.
.
FELA KUTI

"A África que Incomoda"


.

Enquanto a Blackitude prepara um tributo a esse monstro sagrado da negritude rebelde africana e mundial, conheça um pouco de Fela Kuti. Temos tentado preparar algo para o início do segundo semestre de 2009. Assim esperamos que aconteça - se tiver que acontecer!

Algo como o Tributo a James Brown que fizemos em 2007. Até hoje me emociono só de pensar em como foram grandes e importantes para nós aqueles dias: Ana Célia do Zanzibar, Carlos Moore, Ceres Santos, Dom Filó, KL Jay, Lazzo Matumbe, Luiza Bairros, Negrizu, Nelson Triunfo, Raimundo Coutinho, Ubiratan Castro e toda rapa da Blackitude, os parceiros e amigos do Hip Hop, da poesia, do movimento negro, alunos, colegas, muita gente de Salvador e de fora da cidade.

Sem dúvida foi uma das produções mais loucas que tive o privilégio de participar. Tenho certeza que Fela, tal qual James Brown, tem o poder de, mesmo ausente, ser o cimento de nosso encontro em harmonia, para uma conspiração em irmandade.

..........................
.

Outro dia publiquei uma entrevista no Gramática da Ira, com o Mestre Carlos Moore que, entre outras tantas coisas, foi amigo próximo e biógrafo de Fela Kuti. Alguns parceiros de primeira hora, representados aqui pelo Michel do "Blog Elo-da-Corrente" (http://www.elo-da-corrente.blogspot.com/) reproduziram a entrevista contundente de Carlos Moore. Agora nossa conversa volta à tona no Jornal "Boletim do Kaos" que publicou uma síntese da mesma no impresso e a íntegra no site. Aproveito para agradecer de público ao Alessandro Buzo e Alexandre de Maio o espaço dado a nós no Boletim (http://www.culturahiphop.uol.com.br/boletimdokaos). Relembro abaixo uma questão que fiz ao Carlos Moore naquela conversa.

Espero que vocês gostem e se inspirem neste nosso imenso Fela Kuti.

Nelson Maca – Blackitude.Ba

.............................
.

"Nelson Maca
- Professor Carlos Moore, o Senhor conviveu, irmanadamente, com um dos artistas populares mais criativo e polêmico de toda a história: o nigeriano Fela Anikulapo Kuti. Desta convivência surgiu um livro de sua autoria chamado This Bith of Life (algo como Esta Puta Vida).

Onze anos após sua morte, Fela Kuti vem sendo redescoberto em todos os continentes. É considerado, hoje, uma espécie de "Bob Marley" do Continente Negro. Na França e Inglaterra, está em alta, com direito, inclusive, a grandes exposições temáticas. Nos EUA, entre tantas ações, teve, no último dia 04 de setembro, a estréia de uma peça baseada no perfil do artista no Off Broadway Theater, a ante-sala da Broadway, para onde a peça seguirá com certeza. Sabe-se que, no mundo, apenas a partir da biografia de sua autoria, entre 15 e 20 trabalhos, principalmente em áudio-visual, vem representando a trajetória de Fela.

De minha parte, penso que o seu livro, dentre outros, é vital para oxigenar a arte e o ativismo negro no Brasil, principalmente na cultura que participo mais pontualmente: o hip hop.

Qual a real importância da história musical e política de Fela, o que significa para o Brasil conhecer mais a fundo sua experiência radical?

.

Carlos Moore
- Em uma palavra: não se pode realmente pretender ser culto, e muito menos culto nas questões do Mundo Negro, sem conhecer a obra e o pensamento de Fela Kuti. Fela foi um dos grandes ativistas e pensadores do panafricanismo no século XX.

O que o distingue dos outros pensadores panafricanistas é que ele desenvolveu a luta panafricanista não no contexto da luta pela descolonização, mas dentro da problemática complexa e terrível que representa a sociedade africana pós-colonial; ou seja, uma sociedade controlada, oprimida e esmagada não diretamente pelas potências européias ou por regimes minoritários brancos, como na África do Sul ou na Rhodesia (atualmente o Zimbábue). O Fela teve de desenvolver o panafricanismo no contexto da opressão dos africanos pelas oligarquias e as elites africanas surgidas da independência do continente.

Ninguém estava preparado para o que aconteceu após a independência: a chegada ao poder de oligarquias traidoras e assassinas que espertamente confiscaram o panafricanismo e o transformaram em uma ideologia de Estado, para servir os interesses bastardos das novas elites opressoras africanas.

O Fela teve de repensar o panafricanismo tradicional e reformular as bases de um novo panafricanismo de luta pelos interesses dos povos africanos esmagados do continente e nas diásporas africanas. Ele foi um gigante e usou seu poder criativo, como músico, para propagar essa nova orientação ideológica do panafricanismo.

É por isso que me juntei a ele e que estimei que havia que escrever um livro sobre sua vida. Eu queria que o mundo inteiro ouvisse a mensagem que carregava na sua música maravilhosa e nos seus pronunciamentos. "Esta Puta Vida" irá ser traduzida e publicada, também no Brasil, o ano que vem. A partir daí, as pessoas se darão conta da grandeza do personagem, e de sua imensa contribuição ao Mundo Negro, ao mundo das artes e à musica em geral.

Para países como o Brasil, com sua maioria negra, conhecer a obra de Fela é indispensável para o fortalecimento da consciência cultural. Além disso, a música de Fela é uma das coisas mais belas do mundo. É por isso que solicitei ao Gilberto Gil de se incumbir do prefácio de "This Bitch of a Life", que será publicada nos Estados Unidos em abril de 2009. O Gil fez um lindo, profundo e comovedor prefácio - realmente. E, dentro de alguns meses, essa biografia de Fela Kuti, com o prefácio de Gil, também será publicado no Brasil, em português, pela editora Nandyala, de Minas Gerais."

................................
.

Fela Ransome Kuti And His Koola Lobitos


Fela Kuti nasceu no dia 17 de outubro de 1938 em Abeokuta, no estado de Ogun, na Nigéria. Seu nome completo Olufela Olusegun Oludotun Ransome-Kuti. Mudou-se para Londres aos vinte anos (1958), para estudar medicina, mas acabou estudando música. Foi lá que ele formou a banda “Koola Lobitos”, tocando um estilo de música que chamaria posteriormente de afrobeat. O afrobeat é uma fusão do jazz americano com o rock psicodélico e o highlife da África Ocidental.

.


Fela Kuti & Africa'70

Em 1963 Fela volta para a Nigéria e reforma o “Koola Lobitos”, indo com a banda para os Estados Unidos seis anos depois. Esta viagem foi fundamental na carreira artística e na vida de Fela, pois possibilitou-lhe a descoberta do movimento Black Power através de Sandra Smith, partidária do Panteras Negras, que influenciaria fortemente sua música, visão de mundo e participação política.

Daí veio a primeira mudança de nome de sua banda que passou a se chamar "Africa'70". Vivendo na ilegalidade, antes de terem de se retirar do país, realizaram uma rápida sessão de gravação em Los Angeles, que mais tarde viria a ser lançado como "The '69 Los Angeles Sessions".

.
Expensive Shit


Fela retornou com sua banda para a Nigéria, inaugurando a “República Kalakuta”, uma comuna, um estúdio de gravação e uma casa para muitos que se ligavam a ele e à sua banda. Mais tarde, declarou a "RK" independente do Estado da Nigéria. Montou a “Afro-Spot”, uma boate no Empire Hotel, e depois a “Afrika Shrine”, onde cantava regularmente. Também mudou o seu nome do meio para "Anikulapo" (que significa "aquele que carrega a morte no bolso"), declarando que o seu nome do meio original, Ransome, era um nome de escravo.

As gravações continuaram e sua arte vai se torna cada vez mais política. Sua música popularizou-se imensamente entre os cidadãos nigerianos e africanos em geral. Ele decidiu cantar em um Pidgin baseado no inglês de forma que sua música pudesse ser apreciada por indivíduos de toda a África, onde as línguas faladas locais são muito diversas e numerosas. Quanto mais se politizava e mais se tornava popular na Nigéria e em todo lugar, mais incomodava ao governo de então.

Ataques à “República Kalakuta” eram freqüentes. Em 1974, a polícia chegou com um mandado de busca e um cigarro de maconha com a intenção de plantar em Fela. Ele se deu conta disso e engoliu o cigarro. Em resposta, a polícia o levou em custódia e esperou para examinar suas fezes. Fela conseguiu a ajuda de seus companheiros presos e entregou à polícia as fezes de outra pessoa. Assim foi liberado. Este incidente violento e escatológico é comentado em “Expensive Shit”.

.

Coffin for Head of State

Em 1977 “Fela e Afrika’70” lança o sucesso Zombie, um ataque mordaz aos soldados nigerianos, usando a metáfora "zumbi", para descrever os métodos das forças armadas nigerianas. O álbum foi um sucesso esmagador entre o público e enfureceu o governo, dando início a um cruel ataque à “República Kalakuta” quando mil soldados atacaram a comuna. Ele foi severamente espancado, e sua mãe idosa foi arremessada de uma janela, causando ferimentos fatais. A “República Kalakuta” foi incendiada e o estúdio, instrumentos e gravações originais de Fela foram destruídos.

Fela afirmou que teria sido morto se não fosse a intervenção de um oficial comandante quando estava sendo espancado. A resposta de Fela ao ataque foi enviar o caixão de sua mãe para o quartel principal em Lagos e escrever duas canções, "Coffin for Head of State" e "Unknown Soldier", referindo-se ao inquérito oficial que afirmou que a comuna foi destruída por um soldado desconhecido.

.

Black President

Fela Kuti e sua banda foram então morar no Crossroads Hotel, visto que a “Shrine” tinha sido destruída junto com sua comuna. Em 1978 casou-se com vinte e sete mulheres, muitas das quais eram suas dançarinas e vocalistas, para marcar o aniversário do ataque na “República Kalakuta”.
O ano foi marcado também por dois notórios espetáculos, o primeiro em Acra no qual ocorreram tumultos durante a música "Zombie" que o levaram a ser proibido de entrar em Gana. O segundo foi no Berlin Jazz Festival, após o qual, a maioria dos músicos de Fela o abandonou, devido a rumores de que Fela estava planejando utilizar a totalidade dos lucros para financiar sua campanha presidencial.

.

ITT - International Thief

Apesar dos graves contratempos e conflitos que o envolveram neste período, ele estava determinado a voltar. Formou, então, seu próprio partido político, que chamou de “Movimento do Povo”. Em 1979 se candidatou a presidente nas primeiras eleições da Nigéria após mais de uma década, mas sua candidatura foi recusada.

A essa época, Fela criou uma nova banda chamada "Egypt 80" e continuou a gravar álbuns e viajar pelo país. Ele ainda enfureceu as autoridades políticas, citando os nomes do vice-presidente da ITT Moshood Abiola e do então General Olusegun Obasanjo ao final de um discurso político de 25 minutos intitulado "International Thief Thief".

.

Beast Of No Nation

Em 1984 Fela Kuti foi novamente atacado pelo governo militar que o prendeu sob uma dúbia acusação de lavagem de dinheiro. Seu caso foi acompanhado por vários grupos de direitos humanos e, após vinte meses, ele foi libertado pelo General Ibrahim Babangida.

Continuou trabalhando, lançando novos álbuns com a “Egypt’80”. Fez algumas turnês de sucesso nos Estados Unidos e na Europa e, politicamente, não deixou de ser ativista. Em 1986 se apresentou no Giants Stadium em Nova Jérsei como parte do show "Conspiração da Esperança" da Anistia Internacional, junto com Bono, Carlos Santana e The Neville Brothers.

Três anos depois “Fela & Egypt’80” lançou o álbum antiapartheid "Beasts of No Nation" que exibe em sua capa o Presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o primeiro-ministro da África do Sul P.W. Botha com caninos pingando sangue.

.

A luta contra a corrupção militar na Nigéria estava causando estragos, principalmente durante a ascensão do ditador Sani Abacha. Também estavam se espalhando rumores de que Fela estava sofrendo de uma doença da qual se recusava a tratar.

Em 3 de Agosto de 1997, Olikoye Ransome-Kuti, um já proeminente ativista contra a AIDS e anterior Ministro da Saúde, surpreendeu a nação anunciando a morte de seu irmão mais novo, Fela Kuti, causada por AIDS. O irmão mais novo deles, Beki, estava preso no momento pelas mãos de Abacha por atividade política. Mais de um milhão de pessoas compareceram ao funeral de Fela Kuti no local do antigo recinto da “Shrine”.

Uma nova “Africa Shrine” foi aberta depois da morte de Fela em uma diferente seção de Lagos sob a supervisão do seu filho Femi Kuti.
...................................


Army Arrangement
.





O estilo musical criado por Fela Kuti é chamado de Afrobeat. Essencialmente é uma fusão de jazz, funk, percussão e cantos tradicionais africanos. As percussões garantem a base africana, os vocais e estrutura musical flertam com o jazz e os metais são de influência funky. O "endless groove" também é usado, com um ritmo básico com baterias, muted guitar e baixo que são repetidos durante a música. Essa é uma técnica comum na África e em estilos musicais influenciados por ela, como o funk e o hip-hop. Alguns elementos presentes nas músicas de Fela são chamados de call-and-response (chamada e resposta) com o coro e alguns simples, mas significativos rifes.

A música de Fela quase sempre tem mais do que dez minutos, alguns atingindo a marca de vinte ou trinta. Essa era uma das muitas razões por sua música não atingir, efetivamente, um grau de popularidade substancial fora da África. O que vem mudando bastante neste renascimento que vive o artista nos dias de hoje. Sua música era mais cantada em línguas nigerianas, além de algumas músicas em Yoruba. Os principais instrumentos de Fela é o saxofone e o teclado, mas ele também toca trompete, guitarra e ocasionalmente solos de bateria. Fela se recusava a tocar músicas novamente após já tê-la gravado, o que por sua vez também retardava sua popularidade. Ele era conhecido por sua performance, e seus concertos eram tidos como bárbaros e selvagens.

Undeground?


Texto sobre Fela adaptado: Nelson Maca
Fontes: Wikipédia / Conversas com Carlos Moore

.

3 comentários:

Anônimo disse...

Maca,

obrigado por me apresentar Fela Kuti.

abs.

sérgio vaz

Luciana Matias disse...

O tributo já começou, meu irmão!
Adorei a matéria.
Axé.
Luciana Matias

Nelson Maca disse...

Sérgio,
conhecer mais a música de Fela e saber mais de sua biografia têm sido a melhor companhia para minhas divergências solitárias - não por opção!

Luciana,
minha Irmã das Gerais, sim, o tributo já começou.
Veja-se o recado de Sérgio Vaz. Veja-se o seu próprio.
Uma dos objetivos meus para estes dias presentes ten sido divulgar a mensagem de Fela!

Valeu, parceiros!

Com Respeito,

Nelson Maca -
Obreiro da Rebeldia com Causa!