quarta-feira, 15 de junho de 2011

9 Respostas a procura de uma pergunta (6)

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"- Mais do que imagino; menos do que eu gostaria.

Na verdade o poder de formação de opinião do Rap é bem maior e age com bem mais diferenciais e variáveis do que pensamos. Sempre fiquei intrigado com a afirmação de que o hip hop salva. Acho ou meio pretensioso ou meio messiânico isso. Acho...

Tem grandes amigos meus – ou não – respeitados na cena que defendem exatamente o contrário, não é!?


Realmente penso que não só o Rap, mas toda arte nos ajuda a refletir o mundo. Entretanto não podemos esquecer que quem pode combater o Racismo, nesse caso, são as pessoas provocadas pelo Rap. Então qualquer Rap que queira passar ou defender ideologias ou ensinamentos tem que ser ao mesmo tempo provocador na linguagem.

'Tensionador'!

Jamais vai conseguir provocar grandes questionamentos se não causar certo estranhamento estético.

'Tensão'!

Na primeira e grande fase de afirmação do Rap nacional, racismo, pobreza, violência e outras questões etno-políticas eram os paradigmas centrais de quase tudo que conheci. E, de maneira objetiva e até chocante, os rappers estavam colocando esse ativismo de maneira muito contundente em suas letras. A imprensa, de forma geral, falou bastante disso. Parecia que ali a questão da Negritude era parte da razão de ser, estar e existir do rap brasileiro; parecia que, sem esse tom de etnicidade, seria difícil conceber o Rap no país.

Mas tinha aí uma porção retórica que foi enfraquecendo em muitos!


Na minha modesta percepção, isso foi sendo relativizado, e foi perdendo o campo “midiático” (relativo) para os novos paradigmas “artísticos” das novas vertentes de Rap. No começo dessa nova fase, ouvi bastante, de um lado, falarem em Rap “underground”; de outro, não foram poucas as vezes que ouvi a intrigante expressão Rap “metafórico”. Some-se a isso a expansão vertiginosa do Rap freestyle na cena nacional e a não menos progressiva oferta de uma variedade incrível de possibilidades de se fazer o rap disponibilizada pela internet.

Foi uma espécie de “desguetização” do Rap, porém trouxe a reboque outros desmembramentos. Como consequência tomou corpo uma “globalização” um tanto niveladora. Essa orientação universalista, sintomática e sistematicamente, desfoca as questões particulares das minorias em si – tão presentes antes. Com isso temas ligados às vivências calcadas nas questões do indivíduo e de sua subjetividade ganharam corpo e abrangência.

Complementa este quadro, assim penso eu, o desejo dos rappers de serem mais 'literários' e 'musicais'. Escrever bem, enriquecer o vocabulário, variar a métrica, 'fazer música', inovar na base... Tudo isso passa a superar o antigo interesse calcado no ativismo sócio-político e no modalismo musical (mântrico) do início (que eu amo muito!).

Ainda segundo minha leitura (agora, sim, otimista), vejo justamente no encontro dessas duas vertentes a possibilidade de o Rap nacional alcançar o equilíbrio essencial a uma potencialidade vigorosa, consistente e estável com relação ao tratamento da temática racial tanto no texto verbal como no musical.

Isso já está em andamento, e não demora a explodir e se disseminar!


É dessa provocação que falo! Uma poética negra sustentada num swing musical eletrizante que faça com que nossos músculos libertos e instintos maternos vibrem na mesma frequência das nossas ideias pan-africanas em reelaboração conceitual.

Não, eu não estou viajando; estou apenas dizendo que, além de samplear beats, o Rap nacional pode reler as letras de James Brown. Que Bob Marley é um exemplo próximo da rebeldia formatada que anula a fronteira dos valores simbólicos entre letra e música. Ou então e, acima de tudo, falo o que falo porque sei que os artistas do Rap nacional estão descobrindo a música de Fela Anikulapo Kuti.

Eu tenho feito misérias para que os artistas e ativistas do hip hop, principalmente, procurem saber do pan-africanismo crítico expresso nas suas letras arrebatadoras em justaposição descentrada com sua musicalidade inconfundível e dançante.

Se isso já aconteceu no Rap nacional algum dia, foi pontual e não estabeleceu uma “comuna” nem uma continuidade musical.


Mas, enfim, acho sim que o Rap nacional ainda contribui para o debate sobre as relações raciais no Brasil e para o combate ao racismo, porque tenho acompanhado passo a passo a trajetória do grupo RBF e Opanijé na Bahia; tenho presenciado e participado da evolução de GOG no sentido da presença de uma africanidade consequente em sua obra.

Sei que em cada estado temos Rap com orientação afro, embora não sejam destacados nem mesmo nas mídias mais alternativas e nas oriundas da cultura hip hop, salvo as específicas do movimento social negro.

E, finalmente, porque (depois de já ter visto, admirado, a atuação do Criolo num bar do MST em São Paulo) ao assistir, muito recentemente, a performance de Dexter numa atividade na Penitenciária Lemos de Brito em Salvador, em lágrimas contidas, entendi bem mais sobre a abrangência que deve abarcar o conceito Negro enquanto ser humano e a amplidão de ação que deve ter o Movimento da Negritude.

Às vezes a dor do soco e o despertar de seu efeito não vêm do punho cerrado em si!

Mas... volto ao início da resposta, para desdobrar uma expressão ao gosto de Hamilton Borges Walê: Jesus Salva... o Rap Cura!"

Nelson Maca - Poeta Exu Encruzilhador de Caminhos!



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