quinta-feira, 3 de abril de 2008

Mestres da Blackitude: James Brown - III


James Brown


The God Father of Rap


“os Beatles algo fenomenal / nas quebradas do Brasil,
o mestre é James Brown [...]
herança dos anos sessenta setenta / que invadiu os oitenta,
inovou os noventa”
(A lei do Gerson / GOG)


Justamente na década de oitenta, James Brown experimentou seu renascimento artístico. Parte do contexto que motivou esta revalorização do eterno rei negro do soul tem a ver com o surgimento de uma cultura nova e rebelde que vinha mostrando a cara nas principais ruas do Harlem e do Bronx. Essa juventude inquieta e insubmissa, já trazia, entre seus elementos expressivos, uma atitude musical polirítmica chamada Rap. Desde então, e sempre, o Rap elege e adota, entre seus elementos ancestrais, o groove da soul music, do Original-Funk-Soul de James Brown. Esse feeling, esse swing, esse balanço, foi o primeiro pulso a se estabelecer como base musical sobre a qual o mc desenvolve suas rimas. Também vem do mestre do soul a forma de cantar primordial do Rap. O staccato de sua voz agride e encanta pela aspereza das rupturas. Seu estilo de escrita e interpretação das letras, valorizando a fala, recolocam o diálogo e diluem as barreiras entre mensagem, gesto e som.
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James Brown canta com o corpo todo, diz de todas as formas, incluindo gritos, lágrimas, vôos, quedas, figurino, manto régio. Seu instrumental e voz enfileiram descontinuidades, alternâncias, pausas secas, socos nos ouvidos. Esse é, sem dúvida, um orgulhoso ponto de partida do Rap, que no seu desdobramento histórico, na apresentação e desempenho dos mc’s, tem repetido “I’m Black and I’m Proud” sem vacilação. A nova música negra e jovem abraçou o legado musical de James Brown e deu prosseguimento à afirmação da beleza, da força e do orgulho negro; e também elevou o tom na denúncia dos conflitos sociais que envolvem o homem preto dentro e fora do continente africano. O sampler se estabelece como ponte desse complexo diálogo que se estende por toda diáspora negra. A introdução desse equipamento na música popular urbana encontra no Rap, em meados dos anos oitenta, um ambiente fértil para o uso de suas amplas possibilidades de apropriação: criativas, atualizadoras e sem complexos. Gravações viscerais de James Brown tornaram-se o próprio coração que faz pulsar o sonoro sangue do Rap. “Funky Drumer”, “Give It Up Or Not Turnit A Loose” and “Sex Machine”, entre muitas outras canções, foram sampleadas, trazendo um vigor de gigante ao pretinho recém nascido. Que já nasceu grande, belo e forte. Esta simbiose, esta bricolagem, este encontro de gerações musicais transgressoras, atualizaram e restabeleceram a continuidade do potencial artístico de James Brown. Inspirando a fundação de uma nova atitude musical, o Godfather Of Soul reconquista sua soberania.

O hip hop seguiu, independente, sua própria estrada de apropriações criativas. E o mundo voltou a se interessar por James Brown em si, por suas canções originais. A música urbana recuperou o impacto de seu desempenho, de sua potência estética, de sua espiritualidade interpretativa. Ele voltou ao topo. O rei retomou seu manto. E é com orgulho que digo que as várias gerações do Rap mundial são também responsáveis pelo restabelecimento desse reinado. Realeza de um homem preto de infância e juventude muito pobre, incluindo um período considerável em reformatório e passagens pela prisão. Soberania de um artista negro que, do mais alto de sua popularidade, afirmou que a base de sustentação de seu potencial está ligada à sua capacidade de dialogar com vários povos através da música da alma, uma espécie de denominador comum entre diferentes culturas. Que disse ter descoberto que a sua expressão musical diferia dos modelos de Mozart, Schubert, Beethoven, Bach, Strauss, ou Mantovani, mas que ele representava seu povo igualmente. Ao mesmo tempo em que a juventude do Rap nasce e ainda se inspira nessa legenda viva, consegue imprimir sua diferença. Isto tudo é possível no momento que, ancorada no presente, projetou a música do futuro justamente quando olhou para trás e reencontrou o Mestre querido que lhe interessa e representa, e que continua no front da grande causa que envolve a musicalidade black da diáspora. Papa’s Got A Brand New Bag.


Texto:
Nelson Maca

Fonte
:
Zine Na Lata / Editor: Neuro
Salvador-BA, Ed. Especial - Vol.1 - Tributo a James Brown

Fotos
:
Foto 1- Mestre James Brown
Foto 2- Jamess Brown e Afrika Bambaataa
Foto 3- Chuck D (Public Enemy)

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