Michel Silva, este é o nome do cara.
É incrível como as grandes pessoas se tornam assim justamente a partir das pequenas coisas que fazem. São estas que crescem e fazem de seus agentes grandes homens com grandes compromissos. Ao meu ver, o que sustenta um guerreiro são suas ações cotidianas na base, na irmandade. Para ser universal, canta a tua aldeia. Já leram isso em algum lugar?
Pois é, vejo no Irmão Michel esta qualidade: o homem se fazendo, o homem crescendo, tornando-se grande sem esquecer a fundação. Só depois subir as colunas e as paredes do edifício, para, finalmente, pintá-lo, decorá-lo.
Numa cena cultural onde observamos inúmeras cascas reluzentes, coberturas de espuma e efeitos especiais de glacê, Michel surge e cresce como uma contradição da moda e desleitura do mito da juventude negra rebelde sem causa consciente.
Também o Michel eu conheci através da coletânea "Suburbano Convicto: pelas periferias do Brasil”, organizado pelo Alessandro Buzo. Primeiro li seus textos nos originais, depois nos batemos olho-no-olho lá nos lançamentos da Ação Educativa e da Cooperifa. Viiiixe, que dias! Achei emocionante o Michel dedicar o livro, viva-voz, à sua mãe, de uma maneira que algumas lágrimas brotaram nos olhos de alguns presentes. EU VI! Em todos os momentos, vi o cara muito na dele, sem ignorar ninguém, porém orgulhoso, olhos ao alto. Fiquei curioso, achei-o firme, altivo, convicto.
Em que? Ainda não sabia bem... Mas tô procurando descobrir... e tô encontrando, a cada dia, traços e qualidades que me fazem querer me aproximar mais, disponibilizar amizade e companheirismo na luta!
Ah, e gostaria também que você o conhecesse e soubesse de sua atuação na cultura periférica.
E, se não soar arrogante e professoral demais, pedir para que você observe bem em sua própria comunidade, pois tenho certeza, há sempre um Michel nas quebrasdas! Pelo menos um sempre há!! É o perigo de salvação da lavoura!
Precisamos descobrir, por nós mesmos, nossos irmãos, referências e mestres ao lado!
Michel, todo respeito, meu parceirinho querido! (Nelson Maca)
Gramática da Ira (GI) - Salve Guerreiro, diga aí, em linhas gerais, para nossos leitores, quem é você?
Michel Silva (MS) - Michel da Silva é uma cara que busca ser simples e ao mesmo tempo ativo naquilo que sonha e acredita: Em dias melhores pra nóis.
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GI - Pirituba ficou famosa na cena hip hop depois da gravação de “O trem” do RZO, não é? Tanto o RZO como o pessoal do Elo da Corrente participam do quadro Buzão: Circular–Periférico que o Buzo apresentará dentro do programa Manos e Minas do Rappin Hood na TV Cultura. Fale um pouco dessas presenças e, por extensão, da presença de sua quebrada no programa de estréia e qual a importância dele para as culturas periféricas.
MS - É verdade! Realmente depois do RZO a referência de Pirituba mudou, pra melhor, e nóis do Elo da Corrente queremos que isso possa ser expandido, com mudanças que venham pelo alicerce da cultura própria, no nosso bairro. Não queremos ser retratados e lembrados pela criminalidade e por outros motivos negativos. Participar do quadro Buzão – Circular Periférico, num projeto de um parceiro (Buzo), num programa de outra referência (Rappin Hood) e num canal público (Tv Cultura –SP) só vem fortalecer nossa caminhada e nossas intenções. Nossa comunidade se sente valorizada, com a auto estima elevada, algo que nos falta muito.
GI - Diga aí o que você gostaria que as pessoas soubessem sobre sua área? Com é viver na perifa paulistana para além das imagens dos raps?
MS - Pirituba é um bairro que além das nossas vilas, vive uma parte da elite financeira podre paulistana que mora em condomínios residenciais, até com mansão e parque exclusivo (público) dentro desses espaços, por exemplo. É como muitos lugares em São Paulo, os extremos vivendo separados por muros, às vezes até invisíveis, mas que exercem poder e segregação. Quando as ocupações chegam perto deles, a prefeitura da um jeito de fazer limpeza étnica e racial na hora, mas quando é pra realizar a canalização do córrego que há mais de trinta anos causa enchentes desastrosas ao redor da nossa vila, no fundão, nada é feito pelo poder público. Por isso a gente não paga de quebrada, não temos orgulho dessa realidade, mas a denuncia e o valor da nossa vivência tem que ser colocado em evidência pra mudar essa real.
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GI - Como se deu seu encontro com a literatura? Quando? Onde? De que maneira?
MS - Eu sempre li bastante revista de H.Q, na trilha da minha irmã, na minha adolescência. Em casa nunca entrou livro, meus pais não tem essa cultura, só lembro deles trampando e assistindo tv. Quando uma mão, com uns 18 anos, eu trampava de pião passando cabo subterrâneo na rede de telefonia, eu comecei a perceber que só praticando força, até seu raciocínio fica bruto. Certa mão, eu errei uma parada no trampo e um pião, seu Hugo, me disse: “Você tem estudo, nunca ouviu falar em caneta?”. Isso mexeu comigo, porque pra ele, que mal sabia ler, eu tinha estudo, por ter o ensino médio e não podia ta ali. Comecei a ler mesmo nesse trampo, na hora do almoço depois do bandeco, os caras iam dormir e eu ler. Mas começou a fazer mais sentido quando eu me envolvi com a Rádio comunitária do meu bairro, fazendo eventos de rua, senti a necessidade de me informar. Daí comecei a freqüentar bibliotecas, comecei a ler Caros Amigos, daí o Ferréz, o barato criou uma identidade, as palestras, comecei a escrever zines, conheci o trampo do Buzo e por ai foi, só evolução. Até em faculdade pública hoje eu estudo, mas é muita superação e dedicação.
GI - E os saraus, a partir de quando se tornaram vitais para você? Quais você recomenda?
MS - A primeira vez que eu comecei a sacar esse lance de sarau, foi quando eu estudava num cursinho junto com a poetiza e amiga Elizandra e ela me disse que freqüentava a Cooperifa, logo fui morar em Curitiba por conta dos estudos e não podia visitar a casa, mas acompanhava de longe, Trombava o Buzo pra pegar uns livros na minhas vindas pra Sampa, direto. Mas quando voltei a morar na minha cidade natal, já estava escrevendo contos, com um livro pronto e fui à Cooperifa pela 1° vez, foi paixão a primeira vista. Eu e minha esposa (Raquel Almeida) sentimos a necessidade de criar um ambiente assim em Pirituba e fundamos o Sarau Elo da Corrente. Desde então sempre que podemos vamos a Cooperifa. Somos freqüentadores assíduos do Sarau do Rap na Ação Educativa, continuamos com nosso sarau, que completa um ano em junho e vamos peregrinando poesias por ai. São tantos pra indicar, mesmo os que ainda não fui, mas sei que a pegada é a mesma: Cooperifa, Binho, Maloca, Pavio da Cultura, Griots, Elo da Corrente, Sarau do Rap, Sopa de Letrinhas, ASSESA...
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GI - O que é, exatamente, o Sarau Elo da Corrente? Como funciona? Quem produz? Quem declama?
MS - Nosso sarau acontece em Pirituba, zona oeste de Sampa, no bar do Santista. Reúne poetas, músicos, ativistas e curiosos, ou seja, nossa comunidade. Acontece as quintas-feiras, menos na ultima de cada mês. Já realizou 35 encontros, em 11 meses de vida. É transmitido num link ao vivo, para o bairro, pela Rádio Comunitária Urbanos FM. O microfone é aberto pra quem quiser participar. É organizado pelo coletivo Elo da Corrente, por integrantes da rádio e pelo grupo de rap Alerta ao Sistema. Desse encontro surgiu também a idéia de um selo editorial, que lançou um livreto de cordel do poeta do sarau João do Nascimento, e esse ano lança mais oito obras dos participantes, entre essas nossa antologia. Mantemos um blog na internet e também fundamos uma biblioteca comunitária, com acervo de 700 livros, dentro do salão de cabeleireiro que trabalha a nossa poetiza Soninha. A idéia não é formar escritores, mas sim fazer um encontro comunitário, criar um ambiente de troca de informação, conhecimento, criatividade, incentivar a leitura e promover nossa verdadeira cidadania, os efeitos surgem a partir daí.
GI - Como vai seu primeiro livro Desencontros? Fale um pouco do livro em si da importância de tê-lo editado? Ah, não se esqueça de dar o preço e o canal para quem quiser adquiri-lo.
MS - Esse livro é uma reunião de dez contos escritos em homenagem a nossa comunidade, histórias que vivi ou acompanhei de perto. Foram publicados somente 90 exemplares, já não tenho mais nenhum e não pretendo fazer mais. A importância do livro foi que várias portas e contatos surgiram. Foi no lançamento desse livro que começamos a fazer o sarau Elo da Corrente, então considero a semente de tudo que estamos colhendo e plantando nos nossos corres hoje. Foi a partir desse trampo que o Buzo me deu a oportunidade de ser colunista no blog Literatura Periférica. Publiquei no livro Suburbano Convicto – pelas periferias do Brasil, com o Maka, e também no Cadernos negros vl. 30. Esse ano estou preparando outro livro de contos e devo publicar alguns desses contos do trabalho esgotado pra quem ainda não leu.
GI - Fale um pouco do edital da prefeitura e do contexto geral que possibilitou a coletânea do Sarau?
MS - Esse ano fomos contemplados com o edital do VAI (Valorização das Iniciativas Culturais) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Com isso vamos financiar, com verba pública, oito obras de poetas do nosso sarau, inclusive nossa Antologia, pelo selo editorial Elo da Corrente Edições. A gente segue a trilha da referência da Edições Toró, do parceiro Allan da Rosa, e do coletivo Poesia Maloqueirista, que já publicam livros e revistas com verba desse edital. Acreditamos no projeto, nos preparamos durante o ano passado e conseguimos a aprovação, agora é trabalhar mais ainda pra fazer acontecer às publicações, visitas nas escolas, lançamentos no sarau, doações para as bibliotecas públicas e comunitárias, essa é nossa proposta.
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GI - Como será o “Sarau Elo da Corrente: prosa e poesia periférica”? Quem participa? Que critérios foram utilizados para selecionar os participantes? Como fazer para adquiri-lo daqui de Salvador e de outras cidades do país? Quanto custará?
MS - Nossa primeira antologia intitulada “Sarau Elo da Corrente – prosa e poesia periférica, terá como participantes 15 autores de Pirituba (Grupo Alerta ao Sistema, Alice Rodrigues, Betinha Pires, Claudeni dos Santos, Claudio Santista, João do Nascimento Santos, Leandro Chaves, Mannu U.F, Michel da Silva, Osmar Proença, Paulinho Bispo Ramos, Raquel Almeida, Soninha M.A.Z.O, Valdir Manoel e Thiago Almeida), mais 4 convidados (Alessandro Buzo, Akins Kinte, Rodrigo Ciriaco e Elizandra Souza), todos participam ou já participaram do nosso sarau ao longo do nosso primeiro ano, esse foi o critério de escolha. Já o prefácio será do Sergio Vaz, que ainda não visitou nosso sarau, mas é o poeta maior da periferia e fundador da Cooperifa nossa referência direta, junto com a família Suburbano Convicto (Buzo e Marilda) , pra começar com sarau do Elo da Corrente.
O livro será lançado em 19 de junho durante nosso sarau, na festa de aniversário. Será vendido a 10 reais e quem quiser encomendar é só escrever pra gente que mandamos pra todo Brasil, com frete incluso sai por 15 conto.
GI - Fica aberto o espaço final da entrevista, para seus complementos. Aproveite para deixar seus contatos e endereço do Blog Elo da Corrente, aliás muito sincero e bom!!
MS - Um Salve aos leitores do Gramática da Ira, continuem acessando que esse espaço é muito importante pra nossa cultura, o Maka manda muito bem nas postagens, sou leitor de carteirinha também. Acesse também nosso blog:
http://www.elo-da-corrente.blogspot.com/ pra conhecer mais do nosso trampo, nosso email: elodacorrente@hotmail.com
Já o link do blog Literatura Periférica é: www.literaturaperiferica.blogger.com.br Tá valendo!
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Não vá se esquecer, hein!,
É a Confederação dos Nagôs, Nêgo!!
Não durma de toca, Nêga!!
Blackitude.Ba + Elo-da-Corrente.Sp
=
Estratégia Quilombola!
Nelson Maca
Foto1. Michel em ação no Sarau Elo-da-Corrente
Foto2. Programa de Rappin Hood na Tv Cultura (maio)
Foto3. Bar do Santista: ontem litros, hoje livros!
Foto4. Marca do Blog Elo-da-Corrente
Foto5. Poetas no Sarau Elo-da-Coerrente
Foto6. Michel e Raquel, ambos poetas e ativistas
(Ao lado de um Guerreiro, uma Guerreira)
3 comentários:
salve, maca!
michel é um mano firmeza. seu traço mais nítido é a humildade, mas não aquela que mistura resignação, que abaixa a cabeça para os "poderosos". Humildade humilde, de um mano que sabe da sua grandeza e não precisa dizer o quanto é para ser, apenas é.
conheço há pouco esse camarada mas admiro pácas seus corres, seu trabalho.
e tu, boa entrevista.
saudações quilombolas,
Oh Maca! Eu me emocionei de ler essa entrevista, suas palavras representam, acima de tudo, dois fortes sentidos: respeito e responsabilidade. Pois nóis segue a trilha do seu trampo irmão e caminhar no mesmo sentido é muita responsa e respeito pode acreditar. Esperamos fortalecer mais, o mano Rodrigo me disse uma vez, quando tava desabafando os "Desencontros", que nosso sonho é possivel, então além de sonhar vamos todos continuar lutando.
UM GRANDE ABRAÇO!!!
Michel
Salve,salve Nelson Maca!
Adorei a entrevista,conheci o Michel pessoalmente um dia desse na Cooperifa, não deu pra falamos muito mas já ouvi muitas pessoas falando bem desse Guerreiro...
quero deixar aqui um forte abraço ao Michel e pra você que também é uma Pesssoa Maravilhosa, AXÉ NEGO
Fuzzil.
Zona Sul S.P
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