terça-feira, 10 de março de 2009

Guardião

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Guardião

para os irmão-irmãos

Sei sim, irmão,
acredito em tudo que você me diz aqui!
Somos africanos
e isso nos dá uma perspectiva antiga
Nossa pele nos colocou em ângulo de reconhecimento

Quando penso em você
não penso como engenheiro ou pedreiro

Penso como saudade,
lembrança de um tempo antigo
De uma família destroçada,
Mas insistente,
resistente,
desde sempre lutadora

Penso que isso tudo nos irmana
independente dos dejetos
Nos aproxima
apesar do atrito que nos risca

Nossa herança arisca é coletiva
Suas vitórias são também as minhas vitórias
Os meus troféus irão paras as estantes de teu peito aberto

Tuas lágrimas regarão minha cova
Meu riso iluminará tua escuridão de cumplicidade
Aprendi a ser malandro o suficiente
para te ouvir quieto e atento em casa

Sei que na intimidade da família
teus dedos me alertarão em riste

Sei que no sol lá fora
frente aos vermes arejados de mundo
afagarei teus deslizes

Tudo em irmandade da boa vida,
para não dar sopa às piranhas

Para que nossa autodestruição deixe de ser
o espetáculo deste público sádico

Para que nossas desavenças
não engordem os olhos da praça pública

Você tem que ser o meu guardião, Mano
Eu o teu despertador, Brother

Simplesmente porque nos amamos
mesmo na divergência de momentos
mesmo na ira que nos atira aos rochedos um do outro

Mais tarde,
ancoramos em calmaria
no despertar desse doído aviso

Porque sobrevivemos na cautela um do outro
Simplesmente
porque nos amamos!

Sei que temos nossos motivos
razões para desconfianças
Mas quero que você me guarde,
e não me tente
Mas quero mesmo ser o teu guardião
A Águia aérea da serpente rastejante
de teu algoz

Porque os vermes mais nocivos
não têm coloração definida

São invisíveis aos olhos cegados
Se movimentam sorrateiros
Nos contaminam em silêncio

Sem alardes
Sem chamar a atenção para si

Corroem as colunas de nosso castelo de ignorâncias...

Ai de nós
sem as defesas antibiétnicas
nas entranhas de nossos organismos

Ai de nós
sem os olhos do espírito ancestral em lanterna diuturna
naqueles que nos querem guilhotinar
na paixão cortante do desprezo
a aliança tênue do pertencimento


Nelson Maca (livro: Salve o Rei!)

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