. Ódio, só vejo ódio.
“Folha seca num vendaval, um inútil, eu me sentia assim tio”. Mano Brown
Para Lio N’zumbi
Tá certo mesmo! Não tem por que chorar nesse dia de finados. Um parceiro meu me disse que já tinha chorado um oceano inteiro em sua curta vida, 28 anos sobrevivendo pelos lados tumultuados de Pirajá. Uma sorte que ele não esteja exposto em uma foto 3x4 na carneira pintada de cal nas Quintas dos Lázaros – que é o cemitério de guerra que abriga os pretos em Salvador – enfeitado por flores de plástico e banhado pelo pranto de sua mãe.
Rondando a cidade escuto as almas, o brado de ex-combatentes que vão nos inspirando e dizendo: “se nada valer a pena, lutar nos conforta”. Um dia no túmulo nenhuma dor nos perseguirá.
Por isso não lutamos, não protestamos e nem fazemos marcha ou caminhada pela paz. A paz que os racistas tem nos acenado é a de cemitérios, e há séculos.
Zeferina, por exemplo, nem túmulo tem para levarmos flores ou poemas recitados com fervor. Ela, a arqueira africana que lutava por liberdade no Quilombo do Órubu, pelos lados de Cajazeiras e Cabula, tombou em paz em 1826 combatendo a brigada militar criada por D. Pedro... a “gloriosa” policia militar do Estado da Bahia que foi criada para combater pretos e pretas e até hoje cumpre seu serviço com esmero.
Que Alá, o clemente, o misericordioso nos proteja e anime a luta.
Esse novembro está lotado de “atividades”, vários “ativistas” se preparam o ano inteiro para fazer sua parte “para elevação da Consciência da afro-descendência” nessa empolgante era das ações afirmativas. É apontar o discurso, preparar os panos e descer para pista.
Tem uma pá de debate, uns bagulhos pela paz, conferências e coquetéis; tem uns bailes da hora, umas feijoadas e umas festas de camisa colorida. Tem as reuniões com o governo e as assinaturas de protocolo; têm os recitais de poesia, os banquetes pra literatura; tem os receptivos afro, os rojões pela promoção da igualdade e homenagens com medalha para quem se destacou no ano. Tem de tudo!
Só nós, uns maloqueiros do contra, que não achamos graça de nada; não fazemos fé nas promessas, não toleramos os malditos infiltrados em nosso meio e não nos empolgamos com certa radicalidade de gabinete que vem disfarçada de bata africana e cabelo Black Power, umas caras-de-mal sem futuro fazendo média em nosso meio, pra nos agradar, mas aspirando o convite para transpor o palácio comportadamente seguindo o esquema. Que se fodam!!!! Esses aí, a gente pega na saída e cobra.
Quando estamos nós, lá, de boa, eu e meu amigo de Pirajá que não vê motivo pra comemorar e nem sentido nessa coisa black light, um cara que não ri a toa e que supera na moral os tiros covardes dos inimigos disfarçados que nos rondam, a gente pensa junto e alto.
- Porra mão! tá foda sobreviver nessa conjuntura de guerra aí.
E começamos a contar os mortos de nosso jeito. Mais de 900 pessoas mortas em Salvador e região metropolitana entre janeiro e setembro de 2007, maioria vítima de chacinas em bairros populares de maioria negra. O marinheiro Edvandro Pereira, friamente executado pelo tenente Pestana, e seus “aspiras”, deixando o rastro de sua pistola Ponto 40; as mesmas balas Ponto 40 que tiraram a vida de Clodolado Souza, o Rapper Blul, que deixou Kleber Álvaro – único sobrevivente da Matança de Nova Brasília – paraplégico e imobilizado. A morte brutal de Aurina (líder do Movimento dos Sem-Teto de Salvador), assassinada junto com seu companheiro e filho por policiais que foram denunciados por ela por brutalidade. O silêncio torpe das organizações de Direitos Humanos, quando traficantes são executados sumariamente pela polícia, como foi o caso de Eberson de Souza, conhecido como PITI, foragido do Presídio de Salvador, foi morto por policiais tendo três partes do braço quebradas, o que indica que ele não tinha condições de reagir, foi um caso clássico de execução sumária. Os relatos de tortura, as denúncias que fazemos ao Ministério Público, às Corregedorias, às Comissões Parlamentares de DIREITOS Humanos da Câmara e da Assembléia que são freqüentemente ignorados por essas autoridades, tudo isso indica o desprezo por nossas vidas.
Existe um discurso vago, incerto e indefinido sobe segurança pública na Bahia, e esse descaso tem o propósito de parar o debate. Para além do medo justificado, existe uma conivência com o modelo de segurança em curso que é de confronto, brutalidade e extremo controle da população mais vulnerável e, por conseguinte, mais perigosa para a manutenção dos privilégios patrimonialistas. O modelo de segurança pública já esgotada reforça-se hoje por um discurso ideológico de combate a criminalidade que nada mais é combate à população negra pela via do neo-colonialismo amplamente espalhado pelos territórios negros de África e Diáspora. Por isso, é urgente o internacionalismo de nossas lutas contra o genocídio, o cinismo e a tutela que alguns agentes governamentais tentam nos impor, sob a alegação de que somos todos companheiros.
Enquanto que nas tribunas, nos grupos de estudos e em reuniões de redes de direitos humanos se contemplam os motivos do acirramento da violência, da brutalidade policial e do terror em Salvador e região metropolitana, os cemitérios oficiais e clandestinos abrem suas covas imundas e as carneiras em cacos para receber nossos corpos que, quando não são mutilados nos deixando imóveis por balas saídas de armas de uso exclusivo de policiais, nos levam "pro saco". Os laudos do IML são eloqüentes para dizer que quem morre é faioderma, ou seja: um pardo qualquer, mesmo que tenha pele preta, do Calabetão, do Curuzú ou Pirajá, segundo o legista.
Por isso nesse Novembro Negro, pouco nos importamos com os festejos, com os gracejos e com as suítes literárias. Estamos muito ocupados em preparar as táticas que combatam os ardis dessa mistura ideológica de certos pretos militantes .gov.br.
Precisamos combater a idéia abstrata de que possamos lutar contra crimes de leza humanidade com medidas paliativas baseadas em formalidades acadêmicas do tipo cursinho de direitos humanos para as tropas que nos violentam, monitoramento de brutalidade policial escoltados com os próprios agentes das torturas no carnaval de Salvador.
Apoio a programas governamentais como o Pronasci, sem a menor critica às coisas vagas enunciadas como a mãe da Paz, a reestruturação do tecido social […], uns bagulho sem conversa, sem a participação de ninguém além das ONGs contempladas com vultosos recursos.
O Pronasci se quisesse ser de fé mesmo, faria inversão de prioridade na Bahia, ou seja, mais recursos para a defensoria, menos recursos para algemas; mais recursos para o Procon dentro da idéia original de consumo e violência, menos recursos para construção de cadeias que só abre a torneira dos governos para quem se beneficia com o complexo industrial carcerário, que são as empreiteiras, as empresas de segurança e de alimentação.
Esse Novembro Negro vai ser da hora, mas aí cada um na sua, sem mistura, nos encontrarão num futebol na penitenciária, num feijão em Pirajá, no ensaio do Ilê e recitando poesia com os caras do Blackitude e o Império Negro.
“Folha seca num vendaval, um inútil, eu me sentia assim tio”. Mano Brown
Para Lio N’zumbi
Tá certo mesmo! Não tem por que chorar nesse dia de finados. Um parceiro meu me disse que já tinha chorado um oceano inteiro em sua curta vida, 28 anos sobrevivendo pelos lados tumultuados de Pirajá. Uma sorte que ele não esteja exposto em uma foto 3x4 na carneira pintada de cal nas Quintas dos Lázaros – que é o cemitério de guerra que abriga os pretos em Salvador – enfeitado por flores de plástico e banhado pelo pranto de sua mãe.
Rondando a cidade escuto as almas, o brado de ex-combatentes que vão nos inspirando e dizendo: “se nada valer a pena, lutar nos conforta”. Um dia no túmulo nenhuma dor nos perseguirá.
Por isso não lutamos, não protestamos e nem fazemos marcha ou caminhada pela paz. A paz que os racistas tem nos acenado é a de cemitérios, e há séculos.
Zeferina, por exemplo, nem túmulo tem para levarmos flores ou poemas recitados com fervor. Ela, a arqueira africana que lutava por liberdade no Quilombo do Órubu, pelos lados de Cajazeiras e Cabula, tombou em paz em 1826 combatendo a brigada militar criada por D. Pedro... a “gloriosa” policia militar do Estado da Bahia que foi criada para combater pretos e pretas e até hoje cumpre seu serviço com esmero.
Que Alá, o clemente, o misericordioso nos proteja e anime a luta.
Esse novembro está lotado de “atividades”, vários “ativistas” se preparam o ano inteiro para fazer sua parte “para elevação da Consciência da afro-descendência” nessa empolgante era das ações afirmativas. É apontar o discurso, preparar os panos e descer para pista.
Tem uma pá de debate, uns bagulhos pela paz, conferências e coquetéis; tem uns bailes da hora, umas feijoadas e umas festas de camisa colorida. Tem as reuniões com o governo e as assinaturas de protocolo; têm os recitais de poesia, os banquetes pra literatura; tem os receptivos afro, os rojões pela promoção da igualdade e homenagens com medalha para quem se destacou no ano. Tem de tudo!
Só nós, uns maloqueiros do contra, que não achamos graça de nada; não fazemos fé nas promessas, não toleramos os malditos infiltrados em nosso meio e não nos empolgamos com certa radicalidade de gabinete que vem disfarçada de bata africana e cabelo Black Power, umas caras-de-mal sem futuro fazendo média em nosso meio, pra nos agradar, mas aspirando o convite para transpor o palácio comportadamente seguindo o esquema. Que se fodam!!!! Esses aí, a gente pega na saída e cobra.
Quando estamos nós, lá, de boa, eu e meu amigo de Pirajá que não vê motivo pra comemorar e nem sentido nessa coisa black light, um cara que não ri a toa e que supera na moral os tiros covardes dos inimigos disfarçados que nos rondam, a gente pensa junto e alto.
- Porra mão! tá foda sobreviver nessa conjuntura de guerra aí.
E começamos a contar os mortos de nosso jeito. Mais de 900 pessoas mortas em Salvador e região metropolitana entre janeiro e setembro de 2007, maioria vítima de chacinas em bairros populares de maioria negra. O marinheiro Edvandro Pereira, friamente executado pelo tenente Pestana, e seus “aspiras”, deixando o rastro de sua pistola Ponto 40; as mesmas balas Ponto 40 que tiraram a vida de Clodolado Souza, o Rapper Blul, que deixou Kleber Álvaro – único sobrevivente da Matança de Nova Brasília – paraplégico e imobilizado. A morte brutal de Aurina (líder do Movimento dos Sem-Teto de Salvador), assassinada junto com seu companheiro e filho por policiais que foram denunciados por ela por brutalidade. O silêncio torpe das organizações de Direitos Humanos, quando traficantes são executados sumariamente pela polícia, como foi o caso de Eberson de Souza, conhecido como PITI, foragido do Presídio de Salvador, foi morto por policiais tendo três partes do braço quebradas, o que indica que ele não tinha condições de reagir, foi um caso clássico de execução sumária. Os relatos de tortura, as denúncias que fazemos ao Ministério Público, às Corregedorias, às Comissões Parlamentares de DIREITOS Humanos da Câmara e da Assembléia que são freqüentemente ignorados por essas autoridades, tudo isso indica o desprezo por nossas vidas.
Existe um discurso vago, incerto e indefinido sobe segurança pública na Bahia, e esse descaso tem o propósito de parar o debate. Para além do medo justificado, existe uma conivência com o modelo de segurança em curso que é de confronto, brutalidade e extremo controle da população mais vulnerável e, por conseguinte, mais perigosa para a manutenção dos privilégios patrimonialistas. O modelo de segurança pública já esgotada reforça-se hoje por um discurso ideológico de combate a criminalidade que nada mais é combate à população negra pela via do neo-colonialismo amplamente espalhado pelos territórios negros de África e Diáspora. Por isso, é urgente o internacionalismo de nossas lutas contra o genocídio, o cinismo e a tutela que alguns agentes governamentais tentam nos impor, sob a alegação de que somos todos companheiros.
Enquanto que nas tribunas, nos grupos de estudos e em reuniões de redes de direitos humanos se contemplam os motivos do acirramento da violência, da brutalidade policial e do terror em Salvador e região metropolitana, os cemitérios oficiais e clandestinos abrem suas covas imundas e as carneiras em cacos para receber nossos corpos que, quando não são mutilados nos deixando imóveis por balas saídas de armas de uso exclusivo de policiais, nos levam "pro saco". Os laudos do IML são eloqüentes para dizer que quem morre é faioderma, ou seja: um pardo qualquer, mesmo que tenha pele preta, do Calabetão, do Curuzú ou Pirajá, segundo o legista.
Por isso nesse Novembro Negro, pouco nos importamos com os festejos, com os gracejos e com as suítes literárias. Estamos muito ocupados em preparar as táticas que combatam os ardis dessa mistura ideológica de certos pretos militantes .gov.br.
Precisamos combater a idéia abstrata de que possamos lutar contra crimes de leza humanidade com medidas paliativas baseadas em formalidades acadêmicas do tipo cursinho de direitos humanos para as tropas que nos violentam, monitoramento de brutalidade policial escoltados com os próprios agentes das torturas no carnaval de Salvador.
Apoio a programas governamentais como o Pronasci, sem a menor critica às coisas vagas enunciadas como a mãe da Paz, a reestruturação do tecido social […], uns bagulho sem conversa, sem a participação de ninguém além das ONGs contempladas com vultosos recursos.
O Pronasci se quisesse ser de fé mesmo, faria inversão de prioridade na Bahia, ou seja, mais recursos para a defensoria, menos recursos para algemas; mais recursos para o Procon dentro da idéia original de consumo e violência, menos recursos para construção de cadeias que só abre a torneira dos governos para quem se beneficia com o complexo industrial carcerário, que são as empreiteiras, as empresas de segurança e de alimentação.
Esse Novembro Negro vai ser da hora, mas aí cada um na sua, sem mistura, nos encontrarão num futebol na penitenciária, num feijão em Pirajá, no ensaio do Ilê e recitando poesia com os caras do Blackitude e o Império Negro.
Hamilton Borges Walê.
Antipalatavél mesmo, vagabundo…
3 comentários:
...O som das palmas ensurdecem as consciências narcotizadas.
Mas é bom não esquecer que a vida e o tempo é são os senhores da história. "Nascer negro, branco,Negromestiço,Indígena,
Amarelo,Nissei ou Não-sei tamanha a mistura de genes e sangue é conseqüência aleatória e não pode ser escudo para os covardes que habitam as senzalas do silêncio.Reafirmando:Porque a cor com que se nasce é conseqüência;
SER é consciência." Discurso de o-mund0-me-deve-tudo é fácil; guerrear na limpeza e não viver dando golpe em pobre é que são elas, é o que faz a diferença!
Sincero e prezado Hamilton,
É verdade que tem demorado a chegar, mas para o bem de todos os grupos e classes, a mudança é inevitável.
Alda
Salve, salve meu político irmão de cor. Estamos sintonizados. Asé hoje e sempre!
Postar um comentário