sábado, 20 de outubro de 2007

ENTREVISTA / Carlos Moore




O sensacional ativista cubano Carlos Moore foi um dos destaques do seminário Cultura Black na Diáspora: Tributo a James Brown que o nosso coletivo, Blackitude, realizou no final do semestre passado. Filho de pais jamaicanos, doutor em Ciências Humanas e Etnologia pela Universidade de Paris-7, ele tem morado e desenvolvido estudos em várias partes do mundo, estabelecendo conexões entre as comunidades negras do Caribe, América, Europa e África. Atualmente vivendo em Salvador, Carlos Moore abrilhantou nosso evento, fazendo um link entre James Brown e Fela Kuti, de quem escreveu a biografia FELA This Bith of a life, inédita em português. Ele tem outros três livros e mais de cinqüenta artigos publicados sobre questões internacionais. A entrevista que reproduzimos aqui foi dada por ele especialmente ao Zine Na Lata, editado pelo grafiteiro Neuro, um dos fiéis escudeiros da Blackitude. A elaboração da entrevista e os demais textos do zine ficaram sob minha responsabilidade e da Ana Cristina Pereira. Também colaboraram com material e toques vários o Killer Band, Penga e Pinduka. Espero, sinceramente, que vocês gostem. Porém prometemos, desde já, trazê-lo de volta com novas questões. Fica aí um convite: quem se sentir inspirado, mande suas perguntas aí no linque dos comentários, para encaminharmos ao nosso mestre querido.

1- Qual foi sua posição com relação ao black power e a soul music no momento de seu apogeu?


R. Apoiei totalmente tanto o movimento black power e como a música soul, por considerar que traduziam, de maneira autêntica e concreta, as reivindicações mundiais dos diferentes povos negros. A linguagem musical de James Brown decodificava os discursos de Malcolm X, Stokely Carmichael e Martin Luther King, Patrício Lumumba, Amílcar Cabral, Steve Biko...

2- Como o senhor vê a presença de James Brown na formação da identidade nigeriana?

R. O próprio Felá me confessou que sem a música Soul de James Brown, ele nunca teria chegado a inventar o Afrobeat. O Soul de James Brown e o novo Highlife do ganense, Geraldo Pino, foram as duas maiores influências musicais que favoreceram a eclosão do Afrobeat, música urbana nigeriana surgida do próprio ventre da marginalização social, pós-colonial.

3- Fela Kuti pode ser considerado uma referência na linha de James Brown?

R. O Soul e o Afrobeat são duas vertentes bem distintas da música popular negra urbana do século XX e XXI, mas, dialogam profundamente entre si, tendo, evidentemente, uma matriz comum. Não resta dúvida que o Soul é a mãe do Afrobeat. Por sua vez, o Afrobeat reintroduziu no Soul temas melódicos, estruturas musicais e uma percussividade ainda maior, provindas da África continental profunda.

4- Podemos entender a cultura hip hop como desdobramento do movimento da Negritude?

R. O movimento da negritude surge, nos anos trinta, como uma expressão da escrita propriamente poética, com Aimé Cesaire, de Martinica, Leon Damas, de Guyane, e Leopold Sedar Senghoir, do Senegal – grandes poetas. A musicalidade dessa poesia da negritude já anunciava o Hip-Hop, o Rap, o Soul, o Reggae, o Afrobeat, o Highlife... A filosofia da negritude é o ancestral imediato – tanto melodicamente como na sua intencionalidade sócio-política -- de todas as músicas negras rebeldes que surgiram das zonas urbanas após a segunda guerra mundial.

5- Como o senhor avalia a iniciativa “Cultura Black na Diáspora: Um Tributo a James Brown”


R. Uma ótima iniciativa. Ela tem o potencial de contribuir para remediar aquilo que considero ser uma das
grandes fraquezas do movimento social negro no Brasil: a grande desvinculação entre o Movimento Negro,
como expressão política, social e cultural e a vida orgânica das periferias e das zonas rurais.

6- Que expectativa podemos ter com relação à sua palestra “Cultura Black de James Brown a Fela Kuti: fonte, influência ou interlocução?”

R. Irei situar a música criada por Fela Kuti – o Afrobeat – no seu contexto mundial, africano, e nigeriano. E isso requer falar sobre as grandes forças transformadoras que conformaram a vida política, econômica e cultural do século XXI, que é, com certeza, um século de transição na história de toda a humanidade.

7- Qual a sua opinião sobre o Graffiti enquanto elemento da cultura hip hop?

R. Os graffiteiros são artistas, criadores. O fato de eles tomarem os espaços públicos (paredes, muros, etc.) como palco de sua criação e de seu protesto faz deles grandes articuladores sociais. E é por isso que a cultura do graffiti está lado a lado com a cultura do Hip Hop. Essas duas formas de expressão artística e cultural são socialmente transformadoras, revolucionárias.

8- Há contexto para o rap na Bahia?

R. Há contexto para o rap no mundo inteiro. Por que a Bahia seria exceção? O rap é uma forma de arte vigorosa de denúncia social. E as desigualdades sociais da Bahia são gritantes. Logo, então, diria que o rap tem uma grande missão cultural e regeneradora aqui.


9- Com relação aos meios alternativos de comunicação, qual o papel que deve ter os zines?


R. Quando o povo lê os grandes jornais e revistas ou vê a imprensa televisiva, comprova que ele está sendo invisibilizado, marginalizado e negado. O aparecimento dos zines é uma resposta a essa situação. Os zines são modo de expressão, de informação e de formação, voltado para o crescimento cultural da comunidade. É a voz desse povo invisibilizado, marcando sua presença como ator social.

10- Suas considerações finais.

R. A opressão racial é, simplesmente, a barbárie. E a humanidade não tem vias de saída através da barbárie. Assim, a luta contra o racismo tem se convertido, hoje, num fator civilizatório. O racismo deve ser considerado como o que ele é: o principal inimigo tanto da paz social, da convivência dos povos, como da sobrevivência de nossa espécie.

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