quarta-feira, 6 de maio de 2009

Um Abraço no Mestre!

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Reencontrando o Mestre... Agitando o Espírito


Domingo passado, 3 de maio, recebi Carlos Moore mais uma vez em minha casa. Nunca vai ser um dia qualquer embora seja sempre familiar. Ele chega sempre tranqüilo vestido de sua pele extremamente preta, embaixo de seus cabelos inteiramente brancos e logo acima de seu olhar penetrante de quem muito vê. Sempre sorridente e carinhoso comigo, com a Ana e de um carisma impressionante com as crianças. Quando ele vem aqui, ou nós vamos juntos até ele, aquela lógica nossa ocidental vira do lado avesso: os adultos é que sobram na conversa. Com ele as crianças são ouvidas como gente grande... ou pequenas! A ordem dos fatores não altera a infância do espírito!

Almoçamos juntos e conversamos bastante - não na extensão, mas na verticalidade. O tempo não era muito e o assunto infinito. Dentre vários temas adultos, falamos principalmente de Obama, da situação dos negros em Cuba e, logicamente, de Fela Kuti. Estou totalmente compenetrado na apreciação da música e na compreensão do pensamento político deste nigeriano incrível. Agora, por exemplo, escrevo na pausa da leitura noturna de sua biografia, This bitch of a life, escrita por Carlos Moore enquanto pessoa que conviveu com o músico, desfrutando a amizade e a confiança do Black President.

Gosto de ver Carlos falar de Obama. Traz-me tanta esperança nesse outro presidente negro... Sobre Fela, fico estático, não pisco um olho, tentando crer que, na verdade, eu mesmo vivi tudo o que ele nos conta. Sinto-me, de verdade, um elo possível dessa grande corrente de africanidade consquente que chega até mim materializada na presença de Carlos. Quero muito que meus amigos de ação coheçam esses mestres, Carlos e Fela, e me ajudem nessa cruzada divergente, contemporânea e não católica, de apresentá-lo aos jovens brasileiros, principalmente à juventude negra e ao hip hop de forma geral. Uma missão auto-determinada!

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Carlos Moore chega depois de uma estada de 5 meses nos EUA, tratando de diversas atividades de seu novo livro, Pichón, primeiro volume da trilogia que traz sua memória histórica e política. Pichón centra-se na crítica ferrenha ao conflito racial cubano, que não teve fim mesmo após 50 anos de “regime revolucionário”. Há duas semanas chegou à Salvador, mas domingo foi apenas nosso segundo encontro. Apesar do grande desejo de vê-lo, fico na minha, pois sei que ele precisa relaxar depois de uma verdadeira maratona pelos states e pelo Caribe. Aos poucos ele vai reencontrando sua casa e sua vida baiana, e nós vamos entrando de novo na sua história.

No primeiro reencontro foi na noite da última sexta-feira. Passei rapidamente em sua casa. Entreguei a ele dois exemplares do número 1 do Boletim do Kaos que o Alessandro Buzo e o Alexandre de Maio nos enviaram de Sampa. O jornal publicou uma síntese de uma longa e louca entrevista que fiz com Carlos Moore. Eu trouxe para minha casa três presentes vindos dos States: dois vídeos sobre o SLAM Poetry, que muito em breve estarei resenhando aqui e exibindo aos cúmplices (ai... mas que saudade eu tenho da Cooperifa!) e a novíssima edição americana de “Fela: This bitch of a life”, biografia que citei acima. Ela foi publicada na Inglaterra e França na década de oitenta e, no dia primeiro de maio último, sexta passada, saiu uma nova edição nos EUA. No Brasil, em português, está prevista para sair ainda este ano. Em junho, Carlos Moore volta aos Estados Unidos para lançamentos oficiais de This bitch, acompanhando a turnê americana do grande músico nigeriano Femi Kuti, filho de Fela e um dos herdeiro do Afro-beat.

Estou fã absoluto de Fela Anikulapo kuti! Como músico, pensador e ativista político. No segundo semestre, a Blackitude realizará um grande tributo ao cara! Carlos Moore tem nos apoiado na pré-produção e contatos estratégicos, além de que irá participar efetivamente de nosso tributo, pois é também incentivador, colaborador e, acima de tudo, mestre amigo e irmão mais experiente da Blackitude.

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No domingo, ele conheceu, “arrastado” pela Lucinha Black Power e pela Luiza Gata, a cachorrada (3) que deixaram na nossa porta no dia 1 de janeiro - e nós adotamos (rsrs). Com mais esses três SRD que agora moram aqui em casa, comigo soma 4. Depois eu e as meninas declamamos um poema que fiz, pensando em Fela. O título é “Eu”. Escolhi este para dar as boas vindas ao Irmão Carlos porque há uma relação direta entre o mensageiro dos Orixás e os Griots da divergência. Além de ser meio auto-biográfico (rsrs). Vejo um Exu em cada corpo que anda compondo a encruzilhada dos caminhos da negrada rebelde. Um grande amigo que eu admiro muito, Leo Ornelas, diz que somos nós, os contestadores, os Exus das cidades!

Depois do poema, o Mestre partiu – tão simples como chegou. Voltava a chover. Então pegamos um casaco impermeável da Ana e uma sombrinha daquelas quase se desintegrando de tantos ferrinhos insubmissos. Quando vi o mestre chegando aqui em casa, eu já havia recuperado, em sentimento profundo, algo de minhas reminiscências, mas, quando ele partiu, tudo ficou muito evidente em minha consciência afetiva deflagrada: meu pai!... Lembrei-me profundamente de meu Pai! Pelos cabelos brancos, pela pele preta, pelos anos de luta e pela altivez... mas... bem mais... muito mais pela simplicidade.

Até onde experimentei, meu pai era um operário centrado. Operário centrado e tão mas tão preocupado com a grande família que criou os 12 filhos que vingaram com todo cuidado possível e responsabilidade ideal; que não faltou ao trabalho nem mesmo no dia de seu infarto. Quando se ausentou da empresa do patrão (onde ganhara até o “relógio de ouro” da ordem do mérito) foi para cuidar de seu reator e, depois, partir. Sem alardes como lhe era de hábito.

Meu mestre, apesar de ter lutado ao lado de Malcolm X, Fela Kuti, Cheikh Anta Diop, Aimé Césaire, Maya Angelou, Stokely Carmichael, Lélia Gonzalez, Walterio Carbonell, Abdias Nascimento, Harold Cruse, Alex Haley, hoje me fez, simplesmente, lembrar meu pai, meu herói primeiro, nesta humildade que me deixa tão admirado. Só faltou a bolsa a tiracolo com a garrafa térmica e a marmita de operário.

“Ah... quando éramos Reis!”
Assim deveríamos re-encaminhar nossa desumanidade.
Eu acho!

África! One People! One Love!


Nelson Maca – "Nada no bolso ou nas mãos!"

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FELA: This Bitch of a Life, biografia de Fela Kuti pubilicada na Inglaterra e na França na década de oitenta, acaba de ganhar uma edição americana (lançada no dia 1 de maio de 2009). A obra tem previsão de sair no Brasil, em Português, no segundo semestre de 2009. Eu, que tinha uma cópia xerox da edição antiga, acabo de ganhar do próprio Carlos Moore esta nova edição - "autografada". Já estou terminando a releitura e, muito em breve, escreverei uma resenha para o blog. É uma leitura obrigatória para quem quer saber o que é um artista que equilibra política e estética. Homem crítco e músico revolucionário.

Nelson Maca

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Um comentário:

Anônimo disse...

to achando interesane depois me encine a lelo luiza gata