sábado, 16 de maio de 2009

Bom dia, FELA!

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:: Bom dia, FELA ::

:: a todos os FELAS do mundo ::


Bom dia, FELA
Bem vindo a toda esta merda chamada Brasil!

Filho disperso,
onde quer que esteja assentado meu rosto coberto de passado
Ouço tuas palavras proféticas
se materializando nessa nossa Mãe traída.
Por onde quer que eu vá
carrego também o cheiro dos esgotos dessa África que te coube
Transporto em meu próprio semblante
o fenótipo comum desses parentes baixos
Que tentaram de todas as formas
embranquecer tua negrura presidencial.

Eles não acreditam que você carrega a morte no bolso...

Sinto na pele que é mesmo verdade
tuas rajadas de ironia e sarcasmo
Por onde transito, na condição de seu semelhante,
não se vive sem, diariamente,
Aspirar as impurezas relativas do ar.

Justamente por isso você renasce, a cada dia,
No som em desalinho que trafica tua inquietação
para outras terras madrastas.

A despeito do espaço e do tempo
que me separam de ti em matéria bruta
Sei que, por assim dizer, teu sopro sonoro é tua arma,
parindo meu coração em conflito
Tua poesia é uma corrente confortante, lembrando,
despertando, recolhendo-me...

Não me harmonizo nos acordes tramados de cima pra baixo.

De narinas abertas ao vento contrário que sopra
Da imensa corrente ocidental
que lava as almas perdidas de rumo,
Respiro atento a velha bosta fedorenta
da submissão que atola os distraídos.

Boa tarde, FELA
Agora chego mais perto,
para que eu possa tocar sem receio teu significado.

Tenho encontrado aqui
a mesma escória que tem colocado a África andando pra trás.
Circulo nas ruas com o mesmo cuidado e a malandragem de sempre.
É preciso estar ligeiro na esquiva, para não tomar porrada na cara.
Ver com os olhos da nuca,
para não haver facas enterradas nas costas descobertas!

Os vermes pós-coloniais que se multiplicam em nosso meio ambiente
Se reproduzem dos mesmos parasitas daninhos
que macularam tua história
Que agrediram por demais o teu templo
Na tentativa de alcançar o altar profundo de tua alma
intocável de tão confiável!

A latrina do mundo grego e seus multiplicadores negros,
Do lado de cá do teu mundo, se estendem velozes a me procurar.
Também se prolifera pelos quintais dos nossos homens decentes
a escória universal.

Aqui, nesta fatia de país chamada exclusão,
passeio ao noturno dos dias
Sob a visão de corpos pretos putrefatos iluminados ao luar.
Também ergui monumentos de ira...
Por não revelarem a face tão familiar do soldado desconhecido
Que nos extermina como insetos em praça pública.

Nas paisagens dos jardins do entorno das mansões insensatas
Os ladrões internacionais estão ao telefone,
Tramando a grande confraternização
do renascimento da raça que nunca morreu.

Nossos militantes galantes e doutores abnegados
estão de olhos inclinados
A espera da viagem oficial em primeira classe
e do aconchego da suíte de luxo.
Esperançosos como galinhas que lutam grão por grão
Do milho caído do alto das mãos
dos que lhes engordam para o abate.

Tudo devidamente pago
pelas migalhas da fraternidade do patrão ocidental.
Tudo sob encomenda
para a preservação do turismo ao inferno.
Tudo sob a promessa de solidariedade
aos molekes que traíram os heróis traídos!

Nas calçadas arborizadas do centro cívico do oportunismo,
Os vândalos empossados
aproveitam a brisa que brota do centro da ambição.
Eles se servem do discurso nacional
adoçado no chá do esquecimento.

Os mesmos vagabundos também, aqui, estão no poder,
Atraindo as almas sebosas formadas em filas compridas e sorridentes,
Moscas felizes que sobrevoam rasantes as fezes que sufocam os ares
A espera da hora exata de lamber as botas do chefe,
A espera da hora oculta de oferendar a delação premiada!

Boa noite, FELA
Queira sentar-se comigo, para uma caneca do café forte
Que perfuma o ar denso das noites de visita do santo ofício.

Permita-me um dedo de prosa
regada ao amargo de minhas lembranças,
Que vazam pelo caldo escuro da divergência que me mantém vivo,
Filtrado na bandagem das feridas
abertas desde as estocadas antepassadas.

A vigília é constante
aos que compram e vendem a vida dos outros,
Que etiquetam as consciências
com os algarismos baratos das mentalidades coloniais.

Mas ainda não perdi a calma, Presidente.
A coluna ereta e a cabeça ao alto
são os vestígios da minha permanência

Ainda que cada dia que passa
seja a véspera da hora do sinal do general em comando,
Para que barbarizem as colunas de minha República Kalakuta;
Para que lancem os meus restos do andar mais alto
quebrando os ossos de meu sono
Expurgada a insônia na aurora de minha morada em chamas.

Bom dia, Irmão
Pode ter certeza que nunca oferecerei a outra face.

Nos descaminhos do revide,
reparto meus nãos com os descontentes.
Aprendo, com um elo que vem de você,
a verdade sisuda da África que Incomoda
Revelada nas nódoas de sangue
das fardas dos que cortaram as cabeças.

Teu corpo escuro presente empalidece
a falácia arrogante do renascimento
Dos que nunca morreram
na luta pela unificação das demandas.
Teu pan-africanismo implosivo
faz as elites pós-coloniais caírem para dentro.
Soterra em si mesmos os que,
na surdina covarde e na conspiração barulhenta,
Explodiram a reunião dos rebelados com causa.

Estou ansioso para colocar minha comuna no centro do universo.
Rejeito categoricamente
a estrada marginal que me guiava para fora do problema.
Desconfio da beleza sem tensão
que tem tomado esta palavra -periferia

Sim, Parceiro,
Eu sei que sou o centro do problema.
Minha larga avenida central pavimenta os preconceitos
rumo ao olho do furacão.

Meu andar esguio de fera indomável expele os macacos
que saltam pedindo bananas.
A febre amarela e a extensão da malária
não afetaram meu cavalheirismo,
Porque a minha gentileza de pantera não admite
que me afaguem feito um bichano.

Boa tarde, Fela
Em mim já nasceu, está nascendo e nascerá
teu movimento do povo.
Afinal também faço parte do teu povo em movimento...


Nelson Maca

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4 comentários:

Sílvio Oliveira disse...

Fui convidado a ler, leitor assíduo que sou, li. Aprediz das palavras e dos atos, vou aprendendo... Com Fela, Com Moore, com Gog, com Vaz, com Buzo, com Nelson. Vamos aprendendo. O maior ensinamento é essa fome voraz de expressão, na ação, no olhar e, grande tapa em mim, na escrita. Acorda, Sílvio! Brado pra mim mesmo: Sílvio.

FUZZIL disse...

Du caralho!
Salve Nelson Maca
mó respeito irmão,
Abraço de Fuzzil

Rafael de Medeiros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rafael de Medeiros disse...

Li acompanhado pela estridência insana de John Coltrane na sua fase mais desvairada. Estou em estado de choque.
Forte abraço Nelson. Nos batemos pelos corredores e pátios daquele reduto de burgueses bolorentos e incu´ravelmente platônicos. Já endei vendo por aí que preferes a contingência Exuriana à imobilidade Apolínea. Anseio muito ser teu aluno!