quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Quando o mar não tá pra peixe!

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Saidêra

"Você tava ali, cabeça de gelo, quando o casal chega. Parece o mesmo de sempre. Sempre a mesma estória: ninguém resolve, o jornal só dá atenção enquanto dá ibop, a polícia trata mal, nunca tem notícia e sempre arquiva o processo... e por aí vai. Ou então é aquilo memo: quebrança, cobrança de jogo, acerto de conta, mil fita. Você já sabe a ladainha toda, e já sabe também que tem a obrigação de resolver as questões pendentes.

Você é o seu sistema, nêgo.

Então, você não pode deixar os verme se criar no seu bolo, senão eles vão corroê você por dentro, lentamente, no começo, e rapidão no final. Sendo assim, você sabe que não dá pra ficá moscando na área. Já é. Fudeu.

É o gueto selvage, irmão.

Você conhece bem os descaminhos do buraco fundo que a vida jogou a sua carcaça. Fazê o quê... É bem mais simples, até divertido, quando o caso se resolve com uma nota qualquer, mesmo uma de cem. A pioiage chega, você mete logo a mão no bolso, buscando o maço menor, para dar a contrapartida. Segura duas ou três de dez, pensando em um bujão de gás qualquer, um remedinho pra neném, uns pacote de fralda daquelas de véio, um talão de luz vencido, um tx pra leva a barriguda pra pari mais um.

Tem dia que o peixe é maior: dois três aluguel atrasado, cirurgia apressada, livrar um alguém do flagrante, perseguição de agiota, festa pra comunidade.

- E aí, Vado, tudo certo?
- Tranquilo!
- Posso te dá uma idéia rapidinha.
- Licença aqui, tiu; tia...
Qual que foi, Marcão?
-Pô, véio, tô no desespero, os cara da Coelba tá lá pra corta a luz, e a corôa tem que entregar uma encomenda grande de geladinho ainda hoje. Sem liquidificador e geladera vai melá tudo.
- Quanto é a letra?
- Pô, Vado, trinta e sete.
- Taí, vá lá, moleque.
- Valeu Vado, fico te devendo mais essa
- Vô cobrá, hein, pivete!!

Você analisa o que vem só pelo naipe do sujeito. Uns tem cara de fome... uns tem cara de dívida... outros tem cara de doença.

Só não dá memo pra aliviá os cara de cu, que dão mole no movimento.

Aí, não, né tiu? Atrasar o seu lado, não. Você depende deste trabalho, e, pra vagabundo que marca, você não dá mole memo. Pode vim pai, mãe, esposa, filho, vó, professora, a porra que for.

Aí, você não dá estia - já é."


(Trecho do conto Saidêra - Nelson Maca)

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