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Gramática da Ira*
Você não sabe que eu sei falar sua língua...
Você pensa que eu não conjugo as suas armadilhas
Que a sua voz correta e as suas palavras exatas são a minha
cachaça amiga
Que a conversa em código franco adoça meu chá de esquecimento
Você pensa mesmo que me deu um nó de palavras meu branco
Pão pão queijo queijo olho no olho dente por dente
Mas quando eu digo pão o meu irmão ouve gargantas cortadas
Mas quando eu digo queijo estou dizendo vaca louca
E você não percebe a nossa gargalhada por dentro do seu templo
E você não percebe que nosso peito de mãe preta está envenenado
Você engole a isca e se julga mesmo bem alimentado
Você não percebe que a preservação da nossa espécie não é
erro de português
Nada um dia de amanhã será como o novo dia atrás do outro
Mas quando o meu irmão diz amanhã eu ouço era uma vez...
Mas quando o meu irmão diz outro está dizendo está em nós
o nosso reino
Mas enquanto você ecoa o vácuo já estamos aquilombados
E você nem percebe nossa competência lhe jogando pra trás
E você nem percebe que nossa sujeição é contratempo
Você veste o hábito e se julga mesmo o monge no espelho
Você não vê a tropa do pecado abrindo trilhas para outros desejos
A sisudez da gramática irada conjugando nossa tábula profunda
A fé ri melhor para falhar quem por último não costuma ri
Mas quando escancaro os dentes o meu irmão não teme
tréguas de pantera
Mas quando meu irmão diz amém no escuro meu pai amarrou
meu corpo fechado
E você nem percebe a familiaridade de nossa estranha delicadeza
E você nem percebe que cavou o fim do nosso túnel com seus próprios nãos
Você não pega na enxada porque não conhece os segredos das
ervas da terra
Você não lê tudo porque não escreve todas as histórias de guerras
A cegueira visível e a mudez sonora nos discursam tempos idos
Você que não nasceu para ser dois jamais fluirá mistérios
Olhos para não ver ouvidos para não ouvir lhe prendem à nossa imaterialidade
Dizemos teia para o seu corpo uno abrigar-se debaixo da ilusão do telhado
Dizemos mió para sua alma frágil melhor iludir-se
na miragem da excelência
Derrapar na sua língua lisa e reciclar o lixo sujo da descomunicação
Apegados às nossas riquezas não nos revelamos pérolas aos poucos
Apegados ao repleto vazio não assimilamos desejo de pocilga de marfim
Incompreendidos na sua hora incerta gozamos plenitude de absurdo
Ocultos na sombra e na água fresca de solidariedade
Simplesmente Significamos
Poema do livro Gramática da Ira!
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*Quero dedicar este poema, aqui, para os Irmãos
Marcus Gusmão - http://licuri.wordpress.com/ Salvador BA
Michel - Elo-da-Corrente - Pirituba - São Paulo SP
Rodrigo Ciríaco - Efeito-Colateral - Te pego lá fora! - São Paulo SP
Sérgio Vaz - Cooperifa - Do lado de lá da ponte - Taboão da Serra SP
Silvio Oliveira - Dread Loks - Ponto da Mangueira - Salvador BA
Nossa fortaleza não vem de herança, é construída pedra-a-pedra rolada, erguida, lançada, carregada, arrastada, compartilhada!
Caravanas a caminho de Palmares se cruzavam na trilha,
se juntavam e seguiam lado a lado.
Ai de quem se metesse a tentar impedi-los de seguir em sua caminhada...
Eram varridos como ciscos incômodos e mal quistos!
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A Forca
“Hoje eu vou na mandinga como o mestre me ensinou
Na paciência, fazendo a forca de opressor [...]
A forca do opressor está pronta, já fiz o laço
É nossa vez!!! Quem quer ser o carrasco?”
- A Forca - Grupo Quilombo Vivo (Rap) - BA
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6 comentários:
Firmeza negô,
A ponta dos pés tá ligeira pra caminhar firme, mas também mostrar a planta que pulsa, para o golpe certeiro, que se faz necessário na caminhada que a gente sonha, pratica e muitos ainda desrespeitam e desacreditam.
Na mandinga e no respeito.
Força que imana, irmão!
Mensagem captada, ação opressora (de)captada.
Michel
Michel.
dizer mais o quê, Nêgo!
Você é madigueiro de fato, Mon!
Time Will tell!
Nelson Maca
De meu lado, lisongeado, só agradeço. Grande abraço, que o afeto cê já sabe. Sílvio.
Silvio,
aprendemos a ser juntos!!
Agora não tem mais jeito!
Nelson Maca
bato palmas de pé para o blog e especialmente essa matéria... Jasf Os Agentes
Valeu, JASF!
O reconhecimento interno frutifica ao lado, para provarmos juntos os frutos bons!
Juntão, negô!
Nelson Maca
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