sábado, 1 de janeiro de 2011

Negro Amor

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Amor de carapinha


Resolvi fazer aquele poema de amor
que ainda não fiz para você,
Negra!

Andei tão obstinado,
no exercício de minha Ira poética,
que, em tempos de paz interior
e trégua mundana,
amar em silêncio e sigilo
superou qualquer necessidade de divulgar
meu erotismo ao público.

Apesar de segredar um íntimo
que nos torna cúmplices em desejos,
me nego a ser o poeta que cantará
as ondulações de sua presença.

Falo a você como falo a uma irmã, amiga,
parente distante ou conhecida apenas.
Sem apologias traiçoeiras,
faço desses versos meu capítulo das negativas.

Sei que você me entende,
sei que algumas mulheres me entenderão...

Dedico também
este testamento lírico a vocês,
poetas libatas,
que dissecam meninas de carapinha
como peças de consumo pontual...
que descamam seu dorso
como fossem peixes de rabo grande
na rampa do mercado...
que desembrulham seus corpos sagrados
sem cerimônia...
que desnudam suas intimidades
como trufas de chocolate africano
enroladas em versos de celofane
para consumo ariano...

Meu amor já foi bem mais além
daquela quebrada
que não tem mais volta.

Apagaram-se em mim
as princesinhas, deusas, cinderelas
ou qualquer dessas heroínas nórdicas
saídas de contos de fadas alheios
que nos desviam do caminho de casa...
que aterram a profundeza
de nossa erótica ancestral...

Também não me convencem mais
esses derramamentos convencionais.
Esse eco-eco anti-antigo
de gatona, gata, gatinha
me incomoda.

Quem sabe aquela pantera
ainda animalize minha inspiração.
Pantera dentro e fora da casa,
que circula pelas ruas da cidade.
Pantera no particular e no público.
Uma fera em cima da cama
e fora dela.

Uma mulher que,
na dimensão da história
e no andamento do tempo,
amplia em energia vital
os limites do corpo objeto,
o desejo da matéria.
Reintegra o princípio do prazer,
a potência sexual profunda
reafirmada no corpo
do futuro que virá infalível.

Para que nosso Amor,
amanhã,
não seja mancha seca de esperma,
apenas lembrança,
na página amarelada pelo desuso.

Não, não sou eu que anunciarei
moças prontas pro abate
nas feiras galantes.
Não exporei
peitos de mulheres leiteiras
nas vitrines de açougue.
Não pendurarei
ancas robustas em ganchos
oferecidas como peça nobre.
Não pesarei
coxas e pernas temperadas
para forno, fogão e mesa.

Meu poema não será a alavanca
que suspende a ereção do Sinhô.

A fita métrica com que meço
o perímetro do seu tórax
só quer revelar
o tamanho exato
do seu amor pela liberdade...
A grossura de suas coxas de carnes rijas
e a lisura de sua pele
são a dimensão
de que se pode atravessar
os amplos caminhos da exclusão.
Sua barriga assim
em contraste com as curvaturas
acima e abaixo
pode absorver os golpes baixos
do escravismo sexual.

Assim,
sem olhos esbugalhados,
sem boca salivando,
sem pau duro,
resolvi fazer aquele poema de amor
que ainda não fiz para você,
Negra.

Para dizer que te amo
muito além dos jardins.

Nelson Maca (02/01/2011)

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4 comentários:

HEIDER-1695 - SOUNDCISTAS disse...

ESSE FOI AMOROSAMENTE PROFUNDO, CARA!
DESCULPA RESPONDER ANTES DE QUALQUER NEGRA, MAS FOI MUITO F...!
AXÉ!

Nelson Maca disse...

Opa! Sumemo parceiro Heider, meu irmão , é tudo nosso!

Axé pra Nós!

Nelson Maca

Opanijé disse...

Que porrada esse, héin! Tem que rolar no sarau... não quero nem saber!

Opanijé disse...

...e tenho dito!