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Versos de Presos
de João do Rio
"O criminoso é um homem como outro qualquer. No primeiro momento, sob o pavor dos grandes muros de pedra, com um guarda que nos mostra os indivíduos como se mostrasse as feras de um domador, a impressão é esmagadora. Vê-se o crime, a ação tremenda ou infame; não se vê o homem sem o movimento anormal, que pôs à margem da vida. Quando a gente se habitua a vê-los e a falar-lhes todo o dia, o terror desaparece. Há sempre dois homens em cada detento — o que cometeu o crime e o atual, o preso. Os atuais são perfeitamente humanos, Só uma variedade da espécie causa sempre náuseas; os ladrões, os "punguistas", os "escrunchantes", porque dissimulam, mentem e têm, constante no riso e na palavra, um travo de cinismo. Os outros não. Conversam, contam fatos e pilhérias, arranjam o pretexto de ir lavar a roupa para apanhar um pouco de sol no lavadouro, são homens capazes até de sentimentos amáveis.
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Ora, este país é essencialmente poético. Não há cidadão, mesmo maluco, que não tenha feito versos. Fazer versos é ter uma qualidade amável. Na detenção, abundam os bardos, os trovadores, os repentistas e os inspirados. São quase todos brasileiros ou portugueses, criados na malandragem da Saúde. A média poética é forte. Desordeiros perigosos, assassinos vulgares compõem quadras ardentes, e há poetas de todos os gêneros, desde os plagiários até os incompreensíveis. Não sei se a timidez ou outra razão mais obscura os faz assinar as composições poéticas apenas com as iniciais e quando muito com as iniciais precedidas do nome de batismo.
[continua...]
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O Amor, de resto, inunda o verso detento. Há por todos os lados choros, soluços, lábios de coral, saudades, recordações, desesperos, rogos:
Não sejas tão inclemente,
Atende aos gemidos meus.
E um encontrei eu que me repetiu, com os olhos fechados, o seu último repente:
Se eu pudesse desfazer
Tudo aquilo que está feito,
Só assim teu coração
Não veria contrafeito.
Era um rapaz pálido, como os rapazes fatais nos romances de 1850, mas com uns biceps de lutador.
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Quantos poetas perdidos para sempre, quanta rima destinada ao olvido da humanidade! Cheio de interesse, um papel que me caia nas mãos, com erros de ortografia, era para mim precioso. Mas afinal, um dia, ao sair da detenção com os bolsos cheios de quadras penitenciárias, remoendo frases de psicologia triste, encontrei no bonde um poeta dos novos, que, há vinte e cinco anos, ataca as escolas velhas.
- São uns animais! bradou ele, logo após um aperto de mão imperativo. Este país está todo errado. Há mais poetas que homens. Eu, governo, mandava trancafiar metade, pelo menos, ali, com castigos corporais uma vez por mês!
Mal sabia ele que a detenção já está cheia.”
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- Taí, parceiro, você conhece esse texto?
O João do Rio é de um cara doidão que viveu na virada dos séculos XIX e XX, tradutor, teatrólogo, escritor competente, jornalista mais popular de seu tempo e um cronista incomparável de tão atento e bom.
No texto acima (Versos de Presos), mostra que nossa conversa de talento encarcerado de nosso tempo vem de longe. Lá ele dá vários exemplos de poemas que recolheu entre detentos. Foi publicado em 1908, portanto 101 anos atrás. Um século e um anos antes de nós, ói ele, dando voz poéticas aos poetas presos. Ou seriam presos poetas?
Se você não conhece o texto ainda, ou conhece e não tem, ele pode de ser encontrado na íntegra na internet, e só ir na busca e já é... ta lá, inteirinho. Mas, também, se você estiver interessado, pode entrar em contato comigo no blackitude@gmail.com que será um prazer enviá-lo para você, numa boa. Ou então, simplesmente, clique aqui.
- Tranquilidade?
Nelson Maca
"LIVRE na margem da margem,
encontro-me PRESO ao centro do PROBLEMA!"
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Um comentário:
Achei esse texto muito foda Nelson, e vou requisitá-lo pelo seu e-mail. A merda do platonismo agudo faz com que as pessoas creiam piamente que os presos são "essencialmente maus", que são monolíticos, como se um ser humano ou qualquer coisa no universo pudesse ser outra coisa que não uma mistura caótica de estados anímicos. Abraço.
ABOLIÇÃO JÁ!!!
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