Rap, música e literatura: interstícios
A Literatura Negra brasileira é uma das formas de articulação do discurso imaginário dos afro-descendentes, que têm seus elementos físicos e culturais apagados ou distorcidos através dos diversos estereótipos erigidos por um discurso central, oficial e hegemônico. Entende-se, aqui, o rap como um dos possíveis desdobramentos dessa literatura, que, na cultura hip hop, é conceituado como poesia ritmada: ritmo e poesia (rap: rithm & poetry).
Jovens negros e mestiços de comunidades periféricas encontram, na cultura de rua, o contexto ideal para engendrar seus discurso literário, político e afirmar suas diferenças.
Os temas clássicos da literatura universal e as utopias da modernidade vão dar lugar a um discurso mais voltado para o cotidiano e o particular. Temas que se voltam para a experiência histórica da escravidão e para a cor preta da pele como elementos que introduzem conflitos da sociedade brasileira atual. Esta que pratica um racismo institucional, empurrando a maioria dos afro-descendentes para os bolsões de miséria.
É por essas veredas que muitos rappers fazem ancorar suas narrativas, questionando as atrocidades desse sistema historicamente opressor. Essa produção híbrida, que habita as fronteiras entre a literatura e a música, coloca em termos límpidos e tensos o conflito racial brasileiro.
A literatura do Rap segue no contra-fluxo das práticas literárias ou musicais convencionais.
Na discussão da Literatura Negra me interessa, profundamente, a reversão que se faz de termos usualmente referentes a negros e pobres. Intreressa-me muito comprrender mais o binômio negro-favelado. Nossa literatura ativista pormove sua ressemantizaçãop, transformando-lo em termo composto de afirmação.
Isso reflete um dos principais ganhos do Movimento Negro, pois rearticula uma fala calcada na consciência de ser negro, no resgate da ancestralidade, no esvaziamento de discurso hegemônicos discriminatórios, na revisão dos estereótipos, na construção de uma imagem positiva do negro; e na postura de sujeito da própria história.
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A rebeldia da negritude literária também instala a diversidade no enfrentamento ao assimilacionismo. O caráter transgressor do texto poético também questiona os modelos sociais oficiais. Uma espécie de programa de lutas, antes de tudo, a arte visa participar da reconstituição da nossa identidade de negro.
A Literatura Negra brasileira funda-se desta ideologia, revelando vozes que se reconhecem e se orgulham da sua condição étnica. Essa escritura busca oferecer aos membros do grupo no qual é fundada a consciência histórica e mítica necessária para o renascimento de uma auto-referência positiva.
O termo Literatura Negra faz-se representativo por tratar das coisas dos negros, apresentando traços ideológicos e estilísticos específicos de uma voz elabora seu o discurso em primeira pessoa. Nas articulações dessa literatura, localiza-se a cosmovisão do negro – a bem dizer, nossa “negrovisão”.
Essa escritura se constrói no esforço lingüístico em compor, no tecido gramatical e simbólico, um discurso que almeja fundar uma cidadania pela soma das reminiscências de uma ancestralidade perdida e dos valores do novo mundo que lhe são afirmativos, sem, contudo silenciar as adversidades sofridas no passado ou na atualidade. Criando a polaridade, para não comungar com os mitos do branqueamento e da democracia racial, aponta-se a necessidade de reverter os valores negativos atribuídos a si pelos textos historicamente privilegiados.
Não tem como não ser divergente e tranformadora do meio!
O discurso do rap faz parte dessa Vanguarda. Compreendo-o, aqui, como poética alicerçada na verossimilhança. Tecida como relato de uma experiência concreta e com função pragmática no contexto externo ao discurso. Além de estabelecer valores estéticos peculiares, é lógico!. Um voz contestadora que alia beleza formal e busca de identidade revolucionária. Também experiência da Literatura Negra, no Rap, o negro deixa de ser aquele de quem se fala (o outro - o assunto), para tornar-se o enunciador do discurso acerca de si próprio (o eu - o agente).
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O escritor da Literatura Negra rejeita uma identidade que lhe é atribuída de fora. Assume as rédeas de sua historicidade através de um discurso poético regido por leis que correspondem a princípios essenciais e constantes e que atuam como uma espécie de carta de intenções sócio-políticas. Na inversão da ordem dos paradigmas literários convencionais, os negros se tornam heróis: o vencido se torna o modelo, o objeto se faz sujeito. O negro recupera sua voz.
No resgate de nossas tradições e de nossos heróis, e da valorização do homem comum, nossa poética estabelece um jogo de contrários, expondo as condições sociais adversas dos negros brasileiros.
Os textos que mais interessam à caracterização da Literatura Negra são aqueles em que os traços da negritude estão aflorados, evidentes. São traços temáticos e lingüísticos demarcadores de uma originalidade discursiva negro-mestiça. No caso do Rap, não é sob o elemento língua isoladamente que sua arte se estabelece. Elementos musicais sem fronteiras se irmanam aos verbais, estabelecendo narrativas orais de um impacto de dimensão, muitas vezes, imprevisíveis.
Transitando em construções que revisitam a história política e cultural do negro brasileiro, passado e presente, o Rap reúne um complexo de operações que, observadas no seu todo, permite uma compreensão que melhor se aproxime da completude do fenômeno enquanto referencial de comportamento de sua comunidade de origem. Embora fazendo parte do cotidiano da população ao longo do ano, e com muitos produtos nas lojas de música, o ponto culminante, a via de escoamento mais eficaz para tais performances, são os eventos. Com destaque para os que envolvem, simultaneamente, os quatro elementos da cultura hip hop: o break, o dj, o grafite e o rap.
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Uma reflexão cuidadosa das práticas desenvolvidas no âmbito do hip hop, permite uma maior aproximação no sentido de perseguir o modo de operação do imaginário de um segmento segmento da população. Os compositores de rap (MCs – Rappers) dialogam com formas diversificadas de cultura. A base dessas discussões se localiza, evidentemente, nos paradigmas estabilizados pelo modelo mundializado pelos negros norte-americanos, porém extrapola o purismo da busca de valores convencionados especificamente no mundo negro.
O legado da tradição literária e musical do rap brasileiro caminha por fontes ímpares como as performances musicais do repente, do samba, dos blocos afro, da música romântica, da música clássica...
Não é diferente o diálogo estabelecido nos textos lingüísticos do rap (letras) que aproveitam toda e qualquer informação acessível ao compositor. Num processo de apropriação, nos moldes antopofágicos, são requeridos para si, inclusive, traços formadores de culturas não-negras.
Na música e na letra, o que melhor representa a cultura engendrada pelo hip hop é o uso do sampler sem sentimento de culpa num diálogo cultural que, se de um lado, constrói uma negritude positiva e declarada, de outro, despreza purismos e ignora a angústia da influência. [..........]
Trecho do livro -
"Poetas do Rap: diga de lá, que, de cá, digo eu!"
Em construção, para logo, porém sem pressa!!
Com Respeito,
Nelson Maca - Tipo acadêmico, mas não professor (rsrsrsrs)
Foto 1: Gomez (Elemento X)
Foto 2: Lázaro (Opanijé)
Foto 3: NegoJuno (Quilombo Vivo)
Foto 4: Aspri e Negra Íris (RBF)
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Um comentário:
Axé!
Preciosas palavras Maca,principalmente em épocas onde a cada dia aumenta-se a epidemia do Rap petencostal,onde eles detonam nossas matrizes africanas e confundem o discurso de anos de luta propositalmente.
Não gosto dos neo-petencostais,categoricamente e sem demagogia.
O discurso multiculturalista,muitas vezes é usado pra desconstruir e despolitizar movimentos de militância.Usam o ritmo a performance,o estilo, a música para serem "politicamentes corretos",pq o RAP Salva,Jesus salva e queima a babilônia,né Jah?!
Espera aí gente,o multiculturalismo,misturou demaissssss essa história aqui,é isso que o NEO - Petencostal tem feito e por aí vai...
RAP é uma família que conhece muito bem a raíz de sua árvore genealógica,melhor dizendo,Baobá genealógico(risos)...Àfrica é a mãe,Olorum é o pai,o ritmo dos tambores africanos,tios,a melodia das cítaras,tias,o Soul,tio 2º,Gospel tios 3º,repentes;primos...
O leão está contando sua história,não é mais a vez do caçador!
Axé e firmeza nos Orixás.
Lu Matias
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