sexta-feira, 18 de julho de 2008

Augusto da Maia - o texto prometido

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Tópicos de poesia na Bahia

Por: Augusto da Maia

Em 1913 o Poeta Pedro Kilkery escreve no “Jornal Moderno” – “olhos novos para o novo...” - e anunciava: “o verso é livre, vivamo-lo”, adiantado que estava à postulação do verso livre pelo modernismo paulista. Porém a poesia baiana negligenciou o próprio Kilkery enquanto poeta, tendo o concretismo paulista que vir exumar sua produção enterrada no esquecimento pelo academicismo baiano. Ela não ouviu seu chamado, tanto assim que reduziu sua participação na empreitada do modernismo brasileiro, na visão do historiador Cid Teixeira, a um livro não lançado por Godofredo Filho, e fundação da revista “Arco & Flecha”. Nessa publicação, o modernismo baiano assumia, segundo dizer do mesmo historiador, a contraditória posição de vanguarda tradicionalista, e ele completa: Enquanto, em São Paulo, a década de vinte marcava o rompimento brusco e panfletário da inteligência mais atuante com os postulados estéticos do século XIX, na Bahia, parnasianos caudais e simbolistas de vôo rasteiro fassilizavam o prestígio de um dacadentismo cultural que podemos chamar de belle époque épigonica dos becos e botecos da antiga metrópole colonial.

É até entendível que a Bahia não tenha olhado com os devidos olhos o Manifesto Futurista que, aqui, apareceu publicado em um jornal da capital bem antes do Oswald conhecê-lo na europa e trazê-lo à digestão antropofágica do modernismo. A Bahia, que só veria o pólo industrial quase quarenta anos depois do modernismo, e quiçá por isso, atrelada é claro à sua tradição academicista, não tinha ouvidos vivos ao manifesto de Marinetti, isso se entende. O que é para nós um peso é o fato que, de lá pra cá, a poesia feita na Bahia pouco somou ao contingente da literatura feita no Brasil nem ao menos solidificou um diálogo com esta.
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Desde Dorival Caymmi e João Gilberto a Glauber, Tropicalismo, Carlinhos Brown e Antonio Risério, só para citar alguns, a Bahia esteve dentro das discussões sobre música, indústria cultural, Cinema Novo, etc... e a poesia sempre à margem desses acontecimentos. O que logo refuta o possível argumento de que tal qual faltava à Bahia, na época do dito manifesto, maturação socioeconômica e espiritual, para a compreensão de suas propostas, faltou, ao longo desse tempo, a mesma maturação para o acompanhamento de seus processos posteriores. O avanço e a participação das outras linguagens, acima citadas, nos discursos de construção da Bahia, seja como realidade social ou elaborações identitárias, passando pelas letras de Caymmi aos filmes de Glauber, indicam sim, que a Bahia pôde e pode estabelecer diálogos com a produção literária desenvolvida no Brasil e na América Latina, para sermos modestos.

A poesia na Bahia carece é de seriedade. Para ser curto e grosso: precisa de trabalho. A marca de um retorno às estéticas ante-modernistas, ou um punhado de procedimentos modernistas, ou ainda, quase românticos ocasionalmente, idiotizam e ridicularizam a poesia “oficial” da Bahia - que eu nem ousaria chamar de poesia contemporânea. Certos discursos autorizados pela tradição acadêmica, que esse mesmo discurso ratifica e amplia sempre mais e mais, em detrimento do diálogo com as “poéticas divergentes“. Tome-se aqui, grosso modo, o conceito de divergência como a contra-corrente da poesia acadêmica, tal qual a entendemos nas palavras de Nelson Maca. Uma poética de afirmação de uma outra realidade, de participação e construção dela.
.Quando Caetano Veloso lançou “Cinema Falado”, seu único filme, uma jornalista do Jornal Folha de São Paulo escreveu uma crítica, atacando-o de forma contundente, onde ela dizia que Caetano estava, com aquele filme, remexendo as carniças da vanguarda. Portanto, antes que tal equívoco se processe sobre as minhas palavras, corro a esclarecer que não estou propondo que a Bahia instaure uma vanguarda e saia proferindo novidades estéticas aleatórias (até porque a noção de vanguarda hoje e mesmo o seu conceito está bastante abusada e com certo exagero, prostituída). Não é isso, até porque as transformações estéticas e mesmo conteudísticas não se processam de maneira fácil, nem através do desejo particular de um e outro. O que propomos aqui, e isso consciente de suas possibilidades concretas, é que a poesia da Bahia ao menos se atualize; e aí, tome-se com muita atenção essas palavras. Atualizar, aqui, não deve ser entendido como deixar de copiar os procedimentos estéticos dos pré-modernistas, ou modernistas ou de algum deles, e copiar procedimentos estéticos de vanguardas posteriores ou de poetas sulistas ou ainda latinos americanos contemporâneos.
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Atualizar a estética da poesia baiana é solidificá-la através de discussões e movimentação literária interna e pô-la em diálogo com o que está sendo produzido fora da Bahia, seja em São Paulo, Recife, Argentina, Nova Zelândia ou Egito. E digerir, à maneira oswaldiana, esses diálogos. Buscar, ao menos buscar, antes, “somar a contribuição milionária de todos os erros”, que repetir erros, ou ainda acertos, que já deram a sua contribuição. E não se trancar nesse deserto estéreo da poesia de antes, no agora, que se jubila todo ano com o prêmio Braskem de Literatura ou com a publicação de coletâneas entre compadres. Isso é pouco para a poesia na Bahia de tradição-inventiva. Tirar a poesia da Bahia dessa calmaria litorânea é obrigação de todos que dizem ter compromisso com a literatura a cultura e a sociedade.

Mas nunca tudo está perdido (e talvez, tenhamos nos livrado de uma afonia maior graças a intervenção incansável e providencial de Zeca de Magalhães, e a certo “Fetiche” de Antonio Risério), pois, as “poéticas divergentes” se proliferam, ainda que lentamente, nos Blogs, becos e livretos, recitais (uma nova cena se forma). A poesia da Bahia esboça uma reação, agora, alicerçada em alguns nomes que demonstram força suficiente para movimentar e revitalizar o fazer poético baiano. Seja através da preocupação com a revisão e revitalização dos conteúdos e o caráter de “militância ideológica” deles, como, Nelson Maca, Hamilton Borges. Seja, ainda, na experimentação de procedimentos estéticos, como forma de atualização das artes e da linguagem (revolução através da forma revolucionária como quis Maiakovski) e cá, em Salvador, temos há mais ou menos, cinco anos, essa preocupação iniciada pelo poeta James Martins com o Recital Pós-Nada, mais a prosa de João Gabriel Galdea com a Série de Livretos denominada “HAIAI”, os Blogs e os livretos de Igor
Adorno e Leopoldo Madrugada, e mais.
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Fora isso, há ainda, uma série de outras atividades que, talvez, sem querer, ratifiquem a autorização de discurso concedida à tradição acadêmica da poesia baiana, na medida em que, se comportam como reprodutores desse discurso autorizado, publicando sites, blogs e revistas que não ajudam, não contribuem efetivamente na articulação de um debate que estabeleça a construção conjunta de uma nova realidade à poesia da Bahia.

Talvez muitos confiem no gênio, na esperança dele. Eu não. Não creio nem no gênio nem na enxurrada de revoluções pessoais que ora e outra nos deparamos, entre conversas e projetos. Fico com o que disse o Maiakovski, quando perguntado, em entrevista ao escritor americano Michael Gold, sobre se os jovens russos estavam imbuídos das mesmas idéias revolucionárias da poesia russa daquela época e quais os melhores entre os jovens poetas da Rússia:

- “A Rússia toda está imbuída dessas idéias. Mas para que citar os melhores escritores jovens? Isto não é importante. O mais importante é que milhares de homens e mulheres que oito anos atrás não sabiam ler, agora, tendo jogado fora todas as velhas concepções de literatura, lêem os mais ousados dentre os jovens escritores modernos. Esta ascensão geral do nível de cultura é mais importante do que seria o fato de terem surgido dez Tóstois, ou Dostoievski. A arte infalivelmente brota de semelhante solo.”
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Quero com isso chamar atenção para o fato de que a revitalização da linguagem poética da Bahia não é mera especulação, para satisfazer caprichos pessoais nem puro formalismo barato e alienado. É antes, o oposto: é a elaboração da literatura como ferramenta de libertação do homem e de fortalecimento do idioleto e/ou dialeto cultural através de um processo dialético (particular x universal) frente às imposições de massificação e mercado que avassalam os indivíduos e as culturas.

Como disse o Pound: uma nação que negligência sua língua, sua literatura, está fadada ao declínio e ao fracasso. Ora, sem querer restringir ao determinismo de causa e efeito, mas sim chamar atenção ao inter-relacionamento dos organismos sociais e culturais, não imaginem que é mera coincidência a nossa desatualização poética com os índices alarmantes da educação no estado: 41% de analfabetos funcionais senso 2001, e Salvador, a pior entre as grandes capitais em interpretação de texto. Manchete de uma recente pesquisa do governo federal, só pra citar algumas... O estabelecimento de uma literatura atualizada, na Bahia, passa inevitavelmente pela questão de formação de um público consumidor-leitor e construção do habito da leitura, e esta igualmente pelo processo cognitivo do sujeito. Portanto, atualizemo-nos antes que seja tarde. Ou mesmo que seja tarde, porque: antes tarde do que nunca.

augustodamaia@hotmail.com

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Para ler entrevista e poemas, vá até as postagens do mês de MAIO!
Vale a pena, hein!


Nelson Maca
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