quinta-feira, 23 de julho de 2009

Pretas Palavras do Poeta Preto

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A cor da minha poesia!

- para os poetas pretos
Zinho Trindade, Crônica Mendes e Michel da Silva
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(minha família sempre se amplia para mais e melhor!)

Chamo minha poesia de “poesia negra”, porque com ela quero minha vida literária articulada sempre ao mundo africano que me gerou. Ela é meu contraponto consciente aos processos criativos que nos apagam ou distorcem física e culturalmente através dos diversos estereótipos construídos e difundidos pelos blablablás centrais, oficiais e hegemônicos.

E não estou sozinho nesta frente.

Em Salvador, por exemplo, existe uma comunidade negra respeitável que encontra na literatura seu contexto ideal para emissão e recepção de assuntos e recursos expressivos que, sem perder de vista a preocupação literária explícita, mantém seu compromisso político na luta contra as desigualdades e na afirmação de nossas diferenças étnicas.

Parte dessa comunidade atuante participará comigo no Sarau Bem BLack (veja postagem abaixo)... mas há muito mais...

Vocês verão com o tempo!

Em vez dos temas clássicos da literatura universal, e das utopias da modernidade, nós, escritores negros, orgulhosamente auto-denominados, damos lugar a uma prática verbal voltada para nosso cotidiano particular: em assunto, ritmo e alma.

Nossa matéria é a experiência histórica da escravidão de nossos antepassados e nosso trânsito na condição de pessoas pretas no presente. Elementos históricos e biológicos que determinam nossos conflitos atuais, na Bahia Preta e no Brasil Branco como um todo.

Sabemos e comprovamos diariamente que, no país que estamos, se pratica um racismo institucional e a maioria do povo negro é empurrada para os bolsões de miséria, ignorância e violência.

Metaforicamente, isso vale também para a nosssa literatura em diferença.

Por isso nossos poemas e narrativas se, por um lado, destacam e enaltecem as positividades do mundo negro, por outro, denunciam e questionam as atrocidades dos comportamentos particulares ou coletivos - todos historicamente opressores.

Nossa poética funda-se na nossa consciência histórica e mítica necessária, para se pleitear uma auto-identidade positiva.

O termo “literatura negra” faz-se representativo, para nós mesmos, por tratar das coisas dos negros, as nossas coisas - bem dito, apresentando traços ideológicos e estilísticos específicos de nossa própria voz. Tudo enunciado num discurso direto em primeira pessoa - ou escrita na contundência de nossa caligrafia pontiaguda rasgando a página maculada.

Nas articulações dessa literatura, nas vielas desta favela de verbo encarnado, localiza-se o barraco opulento da cosmovisão do povo preto – nossa “negrovisão”. Nosso lugar não simplesmente por exclusão, mas por escolha em rebeldia.

Incorruptível!

Minha escritura também se constrói no esforço lingüístico em compor, no tecido gramatical e simbólico, um texto belo. Porém não ameniza a urgência de se fundar uma identidade agressiva aos "padrões de excelência externos" pela soma das reminiscências de uma ancestralidade perdida e dos valores do novo mundo que me são afirmativos.

Contudo, não silencio as adversidades que sofremos no passado e/ou na atualidade. Porque professo a tensão explícita. Não comungo os mitos do branqueamento e da democracia racial... mesmo quando disfarçados nas black faces e nas perucas black power que estão na moda.

Sinto necessidade vital de afrontar e enfrentar - olho-no-olho - as imegens e valores negativos atribuídos a mim pelos documentos secularmente privilegiados. Tudo que faço é me opor, frontalmente, aos ensinamentos tortos de tantos professores que tive!

- Minha literatura é de reação; você percebe!

Na inversão da ordem dos limites literários convencionais, nós, os escritores negros rebelados, os estudantes fujões, somos nossos próprios senhores: da cópia só aceitamos ser o modelo, do objeto apenas o sujeito - dos meio apenas o fim!

E nada mais!!

Nossa voz arisca belisca a isca na linha direta do resgate das tradições e libertação das nossas atualidades. Eu mesmo quero ser o vilão e o herói que me cabe. Nada mais, nada menos: acertar e errar categoricamente! Ou então ser o homem comum, sem a destreza da bola no pé, a voz de pássaro, as cadeiras elétricas ou o falo eternamente ereto.

- Sempre preto, viu, minhas queridas armadilhas universais...

No plano geral do Brasil e de suas práticas e representações simbólicas hegemônicas, minha literatura quer, apenas, ser um conflito não uma síntese; o problema não a solução. Sei que sou um jogo de contrários, expondo minhas condições sociais adversas nas minhas frases tortas de tão controversas. Mas sei também que sou reto demais na calmaria e não faço curvas ao gosto do vento.

- Se você me entendeu.... bem-vindo ao grande debate, negão!

...

- Se não... vem de lá com seu soneto engavetado... que vou de cá com meu free-style maloqueiro!


Nelson Maca – Poeta Preto Loquaze Local


Imagem: Last Poets

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2 comentários:

LiteraturAndante disse...

Isso memo Maka nossa poesia tem cor, nosso amor tem cor, nossa luta tem cor.

a bussola poetica que pulsa dentro de nós aponta pra terra mãe e nós une numa numa só batalha, num só povo e num só amor, como tu mesmo sempre ressalva as palavras do mestre Bob.

abraço

Michel

Nelson Maca disse...

Michel...
tô loco pra pintar no sarau elo-da-corrente, minha casa também!!

Respect, Man!!

Se amigo e fã,
Nelson Maca