domingo, 25 de março de 2012

Carta à Presidenta

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Carta à Presidenta

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Cara Presidenta, Dilma Roussef,

juro que tentei dormir mais cedo hoje, mas minha cabeça não para de pensar em tudo que aconteceu NAQUELA segunda feira lá no Quilombo Rio dos Macacos!

Principalmente, ouvi palavras sublimes sobre confortar a lembrança do pai debaixo das árvores frutíferas que ele plantou e que o tornam materialmente vivo e fazendo reviver no filho a "memória física" da luta ancestral pela liberdade do corpo e pela posse do território!

Outra moça do quilombo baiano lembrou ao representante do seu governo que aqui se fez presente que ele estava num quilombo vivo, e que, para quilombolas vivos, não tem acordo, mas sim garantias de seus direitos humanos historicamente adquiridos.

Ali, diante de representantes de um governo dito de esquerda (o local e o seu, federal) - lembrando da história recente da comunidade Pinheirinho, vitimada por um governo dito de direita (o de São Paulo) - senti a verdade profunda da circularidade temporal africana.

Mas também a reiteração da hostilização histórica que sofremos, nós, o povo preto e pobre e que, infelizmente, se repete em seu governo de mulher de histórico de lutas.

Juro que eu penso que o dia de ontem valeu por vários cursos e recursos que tivemos e temos na busca de nós mesmos e de nosso sentido africano de ser e estar. Com Rosimeire, e sua comunidade quilombola, pude viver plenamente meu passado honroso aqui e agora!

Com a fala de irmãos ativistas - e principalmente com a presença in loco de nossa comunidade jovem urbana ativada - entendi melhor que, no estado que vivemos, não nos resta outra dialética senão a Dialética do Conflito ou, simplesmente, o Quilombismo, como temos aprendido com Zumbi dos Quilombos dos Palmares e Rosemeire do Quilombo Rio dos Macacos. E passando pelas elaborações de Abdias Nascimento e Lélia Gonzales.

Desculpe aí, Presidenta, mas minha memória afetiva, inclusive na angústia e raiva, continua sendo de poeta. Não sei explicar por que, mas o poema abaixo - Diamba de Raull Bopp - não saiu um segundo de minha cabeça desde então!

Levantei para deixá-lo aqui e ver se durmo, porque a noite finda e nossa manhã é de labuta!

Espero que ele te diga algo profundo e, no fundo de sua alma, desperte seus elefantes também para essa nossa tragédia anunciada, para recompormos as águas profundas de nossa cidadania!

Nelson Maca – Apenas]

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Diamba
Raul Bopp

Negro velho fuma diambapra amassar a memória.
O que é bom fica lá longe…
Os olhos vão se embora pra longe.
O ouvido de repente parou.
Com mais uma pitada
o chão perdeu o fundo.
Negro se sumiu.
Ficou só uma fumacinha.

- Ai leva-me-leva.

E a fumaça tossiu:
Apareceu então uma tropa de elefantes enormes trotando
cinquenta elefantes
puxando uma lagoa.

- P’ronde é que vocês tão levando essa lagoa?
Tá derramando água no caminho.
A água do caminho juntou
correu correu.
Fez o rio Congo.

- Ai leva-me-leva.
Aquele navio veio buscar o rio Congo.

Então as florestas se reuniram
e emprestaram a sombra pro rio Congo dormir.

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