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Elegância
Hoje meu poema não será violento
vá desculpando minha elegância
ele chega na manha, pedindo licença
falando tá tudo sob controle
ignorando o massacre
dizendo vida é verso que vale apenas
que o aço cravado nas entranhas
que o ferro enterrado não esvazia as veias
que algema nos pulsos corrente nos tornozelos
que não há de ser grave
o impacto na laje da queda da minha cabeça.
Hoje meu poema rompe com a história
não me tenha como mau companheiro
ele apaga a tinta da tatuagem funesta
costura feridas cicatriza cortes amarra as ofensas
suspende a chibata nas voltas das desavenças
varre o rastilho da pólvora
apaga a combustão da caneta
esfria a lâmina vermelha que dilacera o peito
não vê navalha de prata na carne fresca
minha bem cortada estrofe
é vidro de plástico nas veias do pulso
é faca cega paixão e fé
língua amolada.
Hoje meu poema ronda à paisana
Não se desespere com tanta camaradagem
cotidiano, trafega sem uniforme sem fardamento
carne crua pele nua sem dreadlocks ao vento
ele esquece a pena que em mim se escreve
sem jeito esquisito, sem trejeito estranho
sem compasso de espera
minha gramática é concordância do fenótipo
métrica que não ofende o nariz
rima que não dá nó nas tripas
minhas pálidas palavras
minha cálida poética
minha queda para dentro.
Hoje meu poema não traz uma ameaça sequer
não se aflija com tamanha simpatia
ele dribla a página do prontuário
ele queima o boletim de ocorrências
destrona o pronome pessoal do poeta
alinha o passo do tempo na batida universal
vela os vermes dos livros da estante
destranca os micróbios das dobras das obras
escorre galante escorrega constante
desliza em movimento literário uniforme
remove as manchas da página
desintoxica os anticorpos da capa
limpa o torto por linhas certas.
Meu poema de hoje é festa de largo
queimado sonho bala bomba
passa nas ruas festeja nas praças.
Meu poema de hoje é luz elétrica
água encanada casa própria
samambaia na varanda.
Meu poema de hoje é carnaval de rua
é guitara baiana é trio elétrico
camisa colorida mamãe sacode.
Meu poema de hoje não erra
pode acreditar, cara-pálida
ele é a minha mentira mais sincera.
Porque o meu poema de hoje é espinho de roseira
flor de cactus dama da noite espada de ogum
comigo ninguém pode!!
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Um comentário:
Ogum
Cantavam num tal tempo e canto, um conto,
Que um moço tendo na aldeia chegado
Tentou conversar em vão e ficou tonto
Sem respostas de um povo silenciado.
O tal moço sentiu-se furioso,
Por fantasiar aquela zombaria
Do povo, a quem se mostrou poderoso
E matou todos com sua artilharia.
Tempos depois, chegando noutra aldeia,
Contou o ocorrido para um ancião.
O velho falou ser coisa na veia
Do povo, nuns dias, nada dizer não.
O moço, Ogum, sentindo-se culpado
jurou proteger todo o injustiçado.
Fernanda Barros de Matos
Sociedade do Baobá - (Soneto tipo inglês, 14 versos, três quartetos e um dístico, decassilábicos, ABABCDCDEFEFGG)
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