terça-feira, 1 de janeiro de 2008

2008 - O Ano da Gramática da Ira

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Luiza Gata e Lucinha Black Power

Outro Ano, minhas filhas!

Lembro-me de vocês assim, saindo do ventre de sua mãe, entrando em nossa vida. Só consigo vê-las simpáticas, bonitas, com semblantes e sorrisos que me fazem renascer pessoas de tempos atrás. Pessoas que carrego sempre comigo, e que sempre aparecem, assim, sem mais nem menos, em meus pensamentos, em meus sonhos.

Obrigado por estarem comigo.

Vocês entram em minha vida de maneira muito bem vinda. Não sei explicar o porquê, nem sei se há um, mas vozes ignotas em mim dizem que, agora, vocês são a razão incontestável de minha guerra tímida. Suas vozes somadas a outras que a mim expressam palavras positivas dão-me a segurança que devo mesmo expor, finalmente, meus escritos.

Apesar de não perceberem muito do que escrevo, apesar de suas tão novas idades, vocês já me chamam de poeta, e eu aceito, porque são vocês minhas obras únicas incondicionalmente poéticas.
Obrigado, novamente, por serem a continuidade de uma nossa espécie que não se dobra!
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Lucinha Black Power e Nelson Maca - Só Amor

Podem ter certeza que o barato é sincero. E que não se resume a arte. A arte pela arte não é mais em mim possível! Meu verbo é encarnado. Meu texto é nosso movimento. Movimento pela vida.
Digo pela vida africanizada, para ficar bem dito!

Valeu mesmo: tê-las me fortalece.
Procurarei não decepcioná-las.

Caras filhas, minhas rimas estão se tornando públicas. Acho que chegou a hora.
Minha Gramática da Ira foi diagramada e ganhou um estudo de capa de um guerreiro-irmão.
Está sendo ilustrado por mãos de um artista-amigo que admiro demais.
Meus mestres-ao-lado preparam orelha e prefácio.
Agora não tem mais jeito, filhas!!

Tem mais: pode ser lançada por uma editora nacional. Espero chegar a um bom acordo ético-estético – sem precisar destroçar a unidade familiar de meu livro, para que ele possa nascer querido.
E crescer livre e espontâneo como vocês, minhas filhas!

No fundo, minha Gramática da Ira é triste.

Tenho que dizer coisas que machucam - inclusive a mim mesmo.
É muito cedo para vocês entenderem, apesar de já pagarem o preço pelo peso da desordem que o país reservou para nós! Por isso tenho que mostrar o Brasil pela ótica da perversidade do racismo, mas também pela violência da submissão e da cordialidade de muitos negros que são vitimados por ele.
Tenho que mostrar o Brasil pela ótica da revolta, mas também da falta de revolta.

É louco!

Abro meu livro com um texto intitulado Prefácio da Ira que, mesmo sendo eu o autor, deixa-me com vontade de chorar. Por mim, por vocês, por nossa irmandade, por nossa ancestralidade.
Deixa-me no veneno, com vontade de cobrar tudo com juros... É foda... É triste...
É revoltante... É ressentido... É raivoso.
Pura Ira.

Pergunto a mim mesmo (como alguns já me perguntaram; como vocês talvez me perguntem amanhã):
"por que escrevi o poema Prefácio da Ira?"
E me respondo:
"por que é preciso rememorar sempre para não esquecer nunca!
Para melhor entendê-los... para nos entender. Para nos rebelar, para nos livrar."
. Luiza Gata e Nelson Maca -Mais Amor!


O início do Prefácio da Ira:

À luz clara do sol do porto
Aparece uma coluna de esqueletos
Cheios de pústulas Com o ventre protuberante
As rótulas chagadas a pele rasgada Comidos de bichos
Muitos não se agüentam em pé Tropeçam Caem
E são levados aos ombros como fardos
E são despejados como coisas num mercado imundo
Negociados como peças neste país nojento


No meio tem coisas assim:

Nas faltas leves Seu avô prende o meu pai pelos pés e mãos
Um pequeno instrumento de ferro
Uma posição incômoda de conseqüência deformante
O seu avô mete o meu pai no cepo
Grande toro de madeira suspenso sobre a cabeça
Preso ao tornozelo por uma corrente que pesa uma vida


E termina assim:

Vocês - Sempre prontos a reacender nossa rebeldia Que não se dobrou ainda
Vocês - Agora expostos Pescoços a um palmo do fio da navalha da Gramática de nossa Ira


Filhas, nosso enfrentamento às novas realidades não tem sido fácil. Vamos nos segurando onde podemos. Quando percebemos, ansiamos por criar raízes. Mas que não sejam tortas! Que não cresçam mortas!!

Vocês sabem que nós ainda não somos daqui.
Ainda enfrentamos, com máscaras atualizadas, tudo que a Gramática versa.

Por isso quero muito-sempre estar com vocês, que são minha reserva de crença!

Quando dei por mim, minha casa tava cheia de vocês, gente minha.
Eu pensei:
"cara, estou no ventre de um clã".
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Somos nós mesmos nossa gentileza e nossa doçura.

Filhas,
ao nosso jeito, apesar do desentendimento de tantos;
mesmo que seja para desencanto de muitos,
que nosso Feliz Ano Novo seja para Nós Mesmos!


Nelson Maca
One People! One Love!!

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