sexta-feira, 17 de junho de 2011

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"- Já esteve?

Eu acho impossível nos prendermos às demandas do rap norte-americano, mesmo quando assim desejamos. Ainda que fosse, teríamos um padrão considerável e bem vindo.

Em se pensando na língua e na linguagem, filosoficamente, eu diria que somos mais determinados pela arte do que a determinamos. Apesar de todo o bombardeio crítico que o Rap (o Rock, o Reggae e outras expressões de procedência estrangeira) sofre desde sua configuração no Brasil, julgado mais um colonialismo que infesta o país, sempre ouvi e entendi o Rap como arte com uma identidade familiar.

Aceitar que o Rap é uma fala original dos Estados Unidos perverso que neocoloniza o Brasil traria como consequência imediata a negação de sua mundialização enquanto lógica de construção, emissão e recepção divergente. Hoje nada na música é mais propriedade do Mundo do que o Rap.

Talvez seu maior poder de expansão e reenraizamento esteja justamente na sua natureza de desrespeitar as fronteiras políticas e desobedecer aos currais culturais que tentam lhe impor (tendências fascistas).

Desde que comecei a me envolver de fato com a cultura hip-hop (para aquém e além da apreciação estética), tenho defendido e apontado marcas identitárias explícitas no rap feito no país, porém sem negar os elementos afirmativos partilhados. No texto verbal e na base musical. Então, desde que existe rap no Brasil, para mim, ele é brasileiro e acabou...

Mas também é bem mais que brasileiro. Muitos já falaram, e o GOG já rimou inclusive: música é universal, mas tem que ter identidade.

Então, todos podem perceber também que o rap nacional, a cada dia, conscientemente ou não, procura dar visibilidade a essas marcas regionais (“cor local”, diriam no Século XIX) que o identificam estética e ideologicamente. Busca-se uma temática (para suas poesias e sua base) que trate, mais diretamente, do seu entorno social, geográfico e político.

Eu, particularmente, não sou minimamente nacionalista, principalmente na compreensão e na escolha do hip hop que busco aderir. Chuck D, K’nann, Vox Sambou, Das Primero, Valete, Orishas, GOG e Opanijé, para mim, falam com muito mais propriedade e familiaridade que quaisquer outros textos que defendam uma brasilidade positiva que nunca existiu para quem está fora da barca celestial das hegemonias euro-centradas. Principalmente nós, os negros, que chegamos aqui noutra embarcação - demoníaca - denominada navio negreiro, e na qual tentam manter nossas consciências simbolicamente acorrentadas.

O único verde e amarelo que realmente respeito e sua única verdade em bandeira é a Unidade Africana empunhada por Kwame Nkrumah.

Essa é a questão principal para mim: antes de gozar as “delícias” de ser brasileiro, preciso encarar por dentro a tragédia que vive a Negritude local.

Como o Rap pode ser patriota num país de orientação racista como o Brasil?

Voltando, agora, à questão colocada, não acho que o Rap esteja ou deva estar preso à estética norte-americana. Ele deve estar agarrado com unhas e dentes naquilo que julgar primordial no momento autônomo de sua feitura. Isso pode mudar amanhã, assim como pode ter tido outras referências ontem.

Há uma diversidade tão grande no Rap brasileiro hoje que uma América do Norte seria pouco para influenciá-lo tanto."


Nelson Maca - Poeta Exu Encruzilhador de Caminhos

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